"Estamos em uma sociedade que preza pela democracia e pelos direitos fundamentais do ser humano com liberdade, igualdade e fraternidade", isso é o que muitos pensam quando se olha para o todo, mas quando procuramos observar contextos específicos, surge então uma contradição que mostra que o preconceito racial se encontra presente. Podemos dizer que a miscigenação de povos que ocorreu durante o processo de colonização do Brasil - entre negros, índios, europeus - é um dos fatores que justifica a base para a permanência do racismo. Porém não é o único motivo.

A todo instante são reproduzidos discursos racistas que para nós já se tornou algo normal e por isso, parece não fazer nenhum efeito de preconceito.

Um exemplo que nosso imaginário ainda é permeado pela construção social do que é ser negro, pode ser visto na chegada dos médicos cubanos ao Brasil em 2013, que foi marcado por um comentário nas redes sociais escrito pela jornalista Micheline Borges que disse "me perdoem se for preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica. Será que são médicas mesmo??? Afe que terrível. Médico, geralmente, tem postura, tem cara de médico, se impõe a partir da aparência...". Bom, primeiro temos que nos perguntar o que é ter "cara de médico"?

E de onde ela tirou essa concepção de que mulher negra não pode ser médica? Isso ocorre devido a um pensamento que vem sendo cristalizado desde a escravidão, determinando papéis sociais, de que negro é para servir e o branco para dominar. A profissão de médico tem em nossa sociedade uma posição de poder, de status social alto, de alguém que passou anos em uma faculdade e que possivelmente é de classe alta e branco, diferente da profissão de empregada doméstica, que geralmente é de classe social baixa e negra.

O comentário da jornalista foi baseado em estereótipos que classificam os seres humanos a terem determinadas características sociais e quando há uma transgressão, como no caso uma médica ser negra, ocorre uma tentativa de se voltar à normalidade pelo insulto implícito. E é isso que deve repensado, através de uma reflexão sobre o que estamos reproduzindo, não nos deixando sermos levados por padrões sociais que apontam para como devemos ser e agir.

Outro exemplo pode ser visto em revistas de cosméticos nas quais a maioria das modelos são brancas com padrões de beleza europeu, isso sem falar do fato da escassez de mulheres negras nos concursos de miss, como no Estado da Bahia, onde mais de 80% da população é negra e a grande maioria das mulheres classificadas são brancas. Além disso, vale ressaltar o "paraíso racial" em que nos encontramos, em que nos quase 60 anos de concurso miss Brasil, apenas em 1986 uma negra gaúcha ganhou o prêmio.

Falar em racismo no Brasil é um tabu, é um assunto que muitos dizem ser desnecessário sua discussão. E é isso que ajuda a perpetuar a discriminação social, já que a discussão resultaria em uma percepção dos fatos racistas que acontecem, manchando a noção de democracia racial.

Só quem passou por discriminação por ser negro é que sabe como o racismo brasileiro é sutil e muitas vezes despercebido. 70% das vítimas de assassinatos são negros, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2013, a pesquisa ainda aponta que os negros são os mais agredidos por parte da polícia. A questão aqui não é defender uma das partes, mas é pensar no por quê isso ocorre. Outra questão são as cotas, que visam a inclusão de minorias, mas se precisamos incluir é sinal de que há exclusão, ou seja, o Brasil não é tão igualitário como dizem.

Se somos mesmo uma democracia, em que todos são iguais e possuem os mesmos direitos, por quê então ainda há uma polarização que inferioriza e coloca o negro à margem da sociedade?

O que quero aqui é apontar para como a discriminação racial é algo construído socialmente e que continua se firmando, provocando hierarquias sociais. A diferença deve ser encarada como uma diversidade de maneiras de encarar o mundo, pois são formas de viver e pensar que refletem na riqueza cultural que o Brasil tem por causa da miscigenação de povos. Isso deveria ser mais aproveitado, de maneira a combater a imposição de ideologias que tiram a liberdade de expressão e provocam a extinção de grupos que não seguem os padrões.