Mais de 40 anos depois, a artista performática Marina Abramovic ainda se lembra com clareza de sua performance mais polêmica.

A artista tinha apenas 28 anos quando realizou a famosa ''Ritmo 0'', durante a qual passou seis horas vulnerável à qualquer tipo de interação por parte do público. Atualmente com 71 anos, Marina conta que se recorda com detalhes de cada minuto daquelas seis horas.

Em ''Ritmo 0'', a artista ficou parada por seis horas. Vestida e sem esboçar qualquer emoção, ela permitiu que 72 itens colocados sobre uma mesa pudessem ser utilizados em seu corpo.

Alguns, eram completamente inofensivos. Pedaços de pão, uvas e penas eram alguns desses itens. Outros, eram capazes de machucá-la e até de matá-la, como correntes, pregos, punhais, tesouras e até mesmo uma arma carregada. Não havia nenhuma restrição quanto ao uso dos objetos durante as seis horas nas quais Marina programou para a performance, na qual se definiu como o objeto.

A artista conta que não queria morrer, mas que achou interessante testar os limites da energia do corpo humano. Ela afirma que ''Ritmo 0'' chamou a atenção do público para o artista performático. ''Até então, o trabalho do artista performático era considerado ridículo'', contou ela, que disse ter assumido o risco apenas para saber como o público reagiria a situação.

No começo, apenas os fotógrafos se aproximaram da artista. O público ainda estava inibido demais para fazer qualquer coisa. Depois, alguns espectadores iniciaram as interações de forma suave, abraçando-a e dando-lhe flores. Depois, Marina foi sentada em uma cadeira e foi aí que tiveram início as agressões.

A artista teve a blusa cortada, palavras foram escritas em seu corpo e correntes foram postas em seu pescoço.

O público também despejou líquidos em sua cabeça. O pescoço da artista foi cortado. Uma pessoa entregou a arma carregada nas mãos de Marina, para ver se ela apertaria o gatilho e colocaria fim às humilhações. Um dos galeristas interveio, retirando a arma das mãos do homem e jogando-a pela janela.

Os abusos seguiram, com espectadores espetando a artista com os espinhos das flores.

No final das seis horas, o galerista anunciou o final da performance. Neste momento, Marina olhou diretamente para os agressores, indo em direção a eles, que fugiram correndo, com medo de serem confrontados.

Para a artista, enquanto ela era apenas uma fantoche - ou um objeto, conforme definia a performance - o público sentiu-se completamente à vontade para agredi-la, mas quando ela passou a ser ela mesma, todos correram, pois não conseguiram encará-la como pessoa.

À época Marina escreveu que ''Ritmo 0'' ''revelava algo terrível sobre a humanidade'', ao mostrar como as pessoas podem desumanizar e machucar uma pessoa incapaz de se defender e que ''pessoas normais'', como a artista mesmo as definiu, podem tornar-se realmente violentas quando há um palco.

Para o crítico de arte Thomas McEvelley, que assistia à performance, Marina estava tão comprometida com a mesma que não teria resistido nem mesmo a uma tentativa de estupro ou assassinato.