Na medida em que os exércitos e a Guerra se tornam cada vez mais terceirizados, as empresas militares privadas assumiram um leque cada vez maior de responsabilidades, desde análise de segurança e inteligência até as funções de treinamento e combate. Sean McFate, professor da Universidade de Georgetown, que trabalhava numa empreiteira militar, diz que “a indústria militar privada é uma parte de como os países lutam as guerras hoje. O governo dos Estados Unidos não rastreia o número de empreiteiros utilizados em lugares como Iraque ou Afeganistão.

Sabe-se que são muitos, mas não se sabe exatamente quantos”.

Os funcionários destes empreiteiros podem ser de qualquer lugar, e às vezes aqueles que lideram a missão não sabem exatamente quem está trabalhando pra eles. “As empresas contratam e às vezes criam o que se chamam de subcontratados”. Há comandantes no Afeganistão que simplesmente dizem: “Nós não sabemos quem são os subcontratados dos subcontratados”. Segundo McFate, existem camadas de um contrato.

“É o oposto completo do mundo militar privado. Primeiro se olha o orçamento”, diz. Para ele, “o interesse próprio da empresa é diferente do interesse nacional, as empresas visam maximizar os lucros, é natural”.

À medida que o comércio militar cresce as empreiteiras privadas tentam encontrar soldados disponíveis mais baratos em todo mundo.

Porém, os mercenários vêm com outras consequências graves desta privatização da guerra.

Em 2004, o Departamento de Defesa dos EUA assinou um acordo estimado em US$ 293 milhões com a empresa militar Aegis Defense Services para executar operações no Iraque e no Afeganistão. A empresa foi fundada pelo ex-oficial do Exército britânico Tim Spicer, que esteve envolvido no escândalo de armas na África em 1998, no qual sua empresa anterior, Sandline International, foi acusada de estar violando as sanções da ONU (Organização das Nações Unidas) ao importar armas para Serra Leoa.

Durante a invasão norte-americana no Iraque, a Aegis foi contratada para supervisionar a comunicação e coordenação de todas as empresas privadas de segurança no terreno, fornecendo guarda para proteger as bases militares dos EUA. Neste momento, “o exército dos EUA era a maior presença militar no Iraque, mas se juntassem todos os empreiteiros militares, Spicer foi efetivamente responsável pela segunda maior força do Iraque”, diz o jornalista Stephen Armstrong.

No entanto, quando os EUA decidiram terminar sua missão militar no Iraque, os orçamentos diminuíram e a indústria militar privada teve que começar a oferecer diferentes tipos de negócio, consequentemente, começou a contratar soldados mais baratos e muitos deles de países em desenvolvimento.

A empresa empregou muitos mercenários de Serra Leoa e Uganda para trabalhar no Iraque, porque eram mais baratos do que outras opções. Segundo Maya Mynster Christensen, antropóloga da Royal Danish Defense Faculty, “a guerra de Serra Leoa tem sido combatida principalmente por jovens combatentes e, se está procurando homens jovens para realizar trabalhos militares, as chances são muito boas de que também tenham sido crianças-soldados”.

Ela explica que “a partir de uma perspectiva do governo de Serra Leoa, o recrutamento do Iraque foi considerado um bom negócio, no sentido que eles poderiam realmente levar a problemas locais, enviando-os para o Iraque por um par de anos e, em seguida, com o dinheiro obtido com sua implantação no exterior, servir para estabilizar a segurança em Serra Leoa”.

Em 2010, o congresso dos EUA nomeou uma comissão para investigar a terceirização de empresas militares privadas, mas o recrutamento de ex-crianças-soldados não fazia parte da investigação. Esta comissão concluiu que o governo dos EUA tem sido muito dependente destas empreiteiras no Iraque e no Afeganistão, e que entre US$ 30 bilhões e US$ 60 bilhões desapareceram por desperdício e fraude.

Desconhece-se o número de ex-crianças-soldados recrutadas por empresas privadas para participar de combates ativos, assim como o número total de funcionários de países em desenvolvimento também é desconhecido. Segundo Michael Wessels, psicólogo e conselheiro da ONU e de ONGs em áreas de conflito, “por um lado, os países ocidentais têm levado grandes somas de dinheiro para a reintegração de ex-crianças-soldados, mas por outro existem governos que apoiam esses contratos de empresas de segurança que recrutam e continuam sua exposição à violência e cimentam suas identidades como perpetradores de violência como soldados, que tornam impossível reintegrar-se na vida civil”.