A costureira Anyky Lima, de 61 anos, viveu na época da ditadura e enfrentou muita repressão e violência durante as décadas em que trabalhou como garota de programa. Expulsa de casa com apenas 12 anos de idade - experiência até hoje recorrente na vida de muitas travestis -, no auge do regime militar, saiu do Rio de Janeiro para se prostituir em Vitória, no Espírito Santo, pedindo carona ao lado de uma amiga, Sandra Dragão.

Depois de seis anos na capital capixaba, conheceu um namorado que a ajudaria a voltar para o Rio de Janeiro e a comprar máquinas de costura para seguir uma profissão.

Mesmo costurando fantasias para escolas de samba, Anyky não conseguiu deixar de fazer programas para complementar sua renda.

Tendo sofrido a intensa perseguição do regime militar, que era especialmente duro com as travestis, foi vítima de agressões e humilhações. Em determinada ocasião, foi presa e apenas liberada depois que os pelos do rosto haviam crescido, para que andasse pela rua e todos percebessem que se tratava de uma Travesti.

Mudou-se aos 30 anos para Minas Gerais, onde continuou a vida como profissional do sexo. O uso de hormônios sem prescrição médica - que começou a tomar assim que saiu de casa, aos 12 - e as diversas aplicações de silicone industrial para moldar o corpo foram afetando sua saúde com o passar do tempo e, aos 50 anos, Anyky se aposentou das ruas.

Hoje, aos 61 anos, ainda trabalha como costureira e aluga quartos para travestis e mulheres transexuais em sua pensão, localizada em Belo Horizonte. Atua também dando palestras, participando de campanhas e militando em importantes organizações como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual (Cellos).

Em maio de 2016, após muita burocracia, Anyky finalmente conseguiu a retificação de seu RG.

Como o país que mais mata LGBTs no mundo, o Brasil oferece uma expectativa de vida de meros 35 anos às travestis. Anyky é um caso a respeito do qual pouco se debate e que precisa, urgentemente, de maior visibilidade: o de travestis que chegam à terceira idade.

Em entrevista para a página do jornalista Neto Lucon, Anyky revela que muitas das trans que envelhecem acabam se afastando das outras pessoas por motivos de doença, pela impossibilidade de continuarem trabalhando na prostituição ou até mesmo por vergonha, devido à forma como as mais novas desdenham daquelas que já não têm mais a beleza da juventude. Ainda sobre a situação da travesti idosa, ela reforça a necessidade de políticas públicas voltadas para a saúde, pois muitas delas se veem jogadas em leitos de hospitais e, para obter ajuda da família, no fim, abrem mão de sua identidade feminina.

No documentário "Anyky - O cotidiano que ninguém vê", a jornalista Larissa Padron traz parte das experiências e do dia a dia da militante. Nele, Anyky fala sobre a realidade das travestis, a prostituição, a transfobia e as motivações que a levaram a se tornar ativista: