Quatro anos é o tempo entre duas Copas do Mundo, entre duas Olimpíadas de Verão, entre duas eleições para presidente, governadores e prefeitos. A cada quatro anos fevereiro ganha um dia a mais. Quatro anos é o tempo médio de um curso superior. Quatro anos é tempo para modificar uma vida. Talvez um país.

Há exatos quatro anos, em 17 de junho de 2013, acontecia no Rio de Janeiro uma manifestação que reuniu pacificamente 100 mil pessoas na Praça Rio Branco, não mais somente pela redução das passagens de ônibus, e sim por reformas na educação, saúde, transporte e pelo controle dos gastos públicos.

Democraticamente, como em outros atos históricos no passado naquele mesmo local, a população exerceu seu direito civil de protestar, sem atrapalhar o direito de ir e vir de outras pessoas, já que o trajeto havia sido anunciado com antecedência. Até mesmo a Polícia Militar colaborou, agindo pacificamente, ajudou a garantir o protesto cidadão. O reflexo foi imediato. Três dias depois, quase um milhão de pessoas lotaram a Presidente Vargas.

As manifestações cariocas marcaram uma espécie de “guinada” no movimento iniciado em São Paulo, algumas semanas antes. Se de início os protestos eram contra o aumento de 20 centavos no preço da passagem de ônibus, agora a pauta incluía a luta contra a corrupção e os pedidos de mais atenção à saúde, à educação, à segurança.

Já não havia segmentação por idade, ou pelo local de residência dos que protestavam. Empregados e desempregados, lado a lado, engrossavam o coro dos descontentes. Como se podia ler em faixas e cartazes da época, o povo até então “deitado eternamente em berço esplêndido” dava seu recado: “Verás que um filho teu não foge à luta”.

Mas... quem era mesmo o ‘inimigo’?

À medida que mais e mais cidades aderiam à onda de protestos, multiplicavam-se quase na mesma velocidade os alvos dos manifestantes. A Rede Globo, por exemplo, foi “julgada e condenada” por não dedicar espaço em sua programação aos primeiros protestos.

Não demorou para que toda a imprensa passasse a ser perseguida – é sabido que só enxerga o jornalista como inimigo, em qualquer dos lados da questão, quem está mal-intencionado e quer agir covarde e impunemente.

Em São Paulo, jornalistas da Carta Capital, do Portal Terra e do UOL foram detidos durante protesto.

Sete jornalistas da Folha de S.Paulo e um do R7 foram agredidos por policiais, e um jornalista do portal G1 foi alvejado por PMs. Um repórter do SBT teve seu microfone arrancado da mão (e levado) por um manifestante. No Rio, algumas pessoas jogaram lixo num repórter da Globo e depois avançaram sobre o cinegrafista para tirar-lhe a câmera. Em Porto Alegre, manifestantes atiraram pedras em direção aos jornalistas, antes mesmo do início dos protestos e chegada dos policiais. Tudo em menos de uma semana.

A mídia ajudou a popularizar o termo “black blocs”, indevidamente associado aos manifestantes que agiam com violência ao final dos protestos – muitos utilizavam a máscara da personagem principal do filme “V de Vingança”, um anti-herói que luta (com violência e métodos não convencionais) contra um governo corrupto e ditatorial, por sua vez referência ao movimento conhecido como Conspiração da Pólvora.

No final do protesto de 17 de junho, no Rio, 100 mascarados tomaram a Rua 1º de Março, atearam fogo no material que roubaram de uma agência bancária, depredaram o patrimônio público, saquearam lojas, assaltaram pedestres, dispararam tiros (não de borracha) em civis, atearam fogo no carro de um operador de áudio. Mesmo com os pedidos para pararem com o vandalismo, vindos de manifestantes que saíram da Rio Branco, o grupo articulado prosseguiu com as ações criminosas.

O fato é que, com uma pauta tão extensa de “inimigos” (que incluía, mas não se restringia, ao dinheiro gasto com os preparativos para a Copa do Mundo no Brasil, à PEC 37 e ao partido no poder), os protestos começaram a registrar as primeiras divisões.

Havia quem defendesse a presença da grande imprensa nas manifestações como forma de registrar a ação policial repressora e violenta, enquanto outros acreditavam que a grande mídia sempre estaria junto aos interesses governamentais.

Faixas e bandeiras de partidos eram reprimidas pelos próprios manifestantes em vários protestos, para indicar que o movimento era pelo país, mas exibidas livremente em alguns atos, não raro convocados por sindicatos que tinham sua própria pauta de reivindicações. E aos poucos, o movimento que parecia ter o poder de unificar uma nação começou a implodir.

A grande lição dos protestos

Era grande a expectativa por uma resposta nas urnas nas eleições de 2014, com grande renovação em todas as esferas do poder.

Mas ela não aconteceu: boa parte dos políticos que exerciam cargos públicos e que foram alvos de protesto acabou sendo reeleita. Olhando por este prisma, pode-se achar que todo aquele movimento de 2013 foi em vão. É inegável, contudo, que as manifestações deixaram reflexos bastante positivos, que ainda hoje podem ser percebidos.

O mais importante de todos é a consciência política. O interesse pelo assunto cresceu, e entendimento sobre as pressões que a população pode exercer sobre os que comandam municípios, estados e o país, também. Outras manifestações seguiram-se as de quatro anos atrás – independentemente se estavam associadas a um ou outro partido, o fato é que conseguiram mobilizar pessoas em torno de interesses comuns.

E no fundo, todas buscam um futuro melhor para o país, ainda que por caminhos diferentes.

A mídia também mudou. Apesar de os veículos de imprensa continuarem seguindo linhas editoriais distintas (o que na prática significa dar mais ou menos destaque a determinados temas), o cenário político não fica mais em segundo plano. A quantidade de mídias alternativas, valendo-se principalmente da internet para divulgação de seus conteúdos, não para de crescer. Os vídeos nas redes sociais digitais potencializam a divulgação tanto da ação de grupos de manifestantes violentos e vândalos quanto a truculência de policiais nos protestos em que os manifestantes agem pacificamente.

Neste quarto aniversário das jornadas de junho de 2013, que coincide com um grande descontentamento com a atual situação política brasileira, a pergunta ainda sem resposta é: quanto tempo mais teremos de esperar para a população como um todo ser ouvida e respeitada, termos garantidos nossos direitos plenamente, termos um país pelo qual muito se discute mas ainda pouco se faz? Espero sinceramente que não sejam outros quatro anos.