Ao entrevistar o cantor, violonista e compositor Renato Teixeira, autor do clássico 'Romaria', o falecido estilista e apresentador Clodovil diz achar linda a passagem na canção em que diz “Meu olhar, meu olhar, meu olhar”. O entrevistado disse que escreveu a letra daquela maneira porque não estava encontrando mais nada para completar aquele verso.

Muitas das vezes, ao interpretar o que o autor quis dizer em um texto, letra de música ou qualquer outro tipo de obra artística, a interpretação é mais interessante que o próprio motivo original que deu origem à obra.

E às vezes é melhor nem saber o que o autor quis dizer com aquilo como, por exemplo, no inicio da letra de 'Linda Juventude' do grupo 14 Bis.

'Tempos Modernos' é o titulo da música de abertura do álbum de mesmo nome de Lulu Santos. Lançado em 1982, o disco trazia 'Tempos Modernos', 'Tudo Com Você', 'De Repente' e 'Califórnia' nas três primeiras faixas do trabalho, ou seja, logo em seu primeiro disco o artista lançou três canções clássicas e muitas outras em seus discos vindouros se tornariam clássicas.

É muito comum fazermos confusão entre o narrador da obra e seu autor, ou seja, nem sempre a opinião dada é exatamente a do autor, a isto damos o nome de “eu lírico”.

Logo no inicio da canção em que o autor diz: Eu vejo a vida melhor no futuro/Eu vejo isso por cima de um muro/De hipocrisia que insiste em nos rodear”.

Nota-se uma visão otimista para o futuro, talvez este otimismo tenha vindo do momento atual em que a letra foi composta, inicio da década de 1980, época esta em que o período ditatorial em que o país atravessava na época vinha demonstrando sinais de que em breve chegaria ao fim.

E o autor continua essa visão otimista nas duas estrofes seguintes da canção, e no refrão ele faz um chamamento para que todos possam aproveitar mais a vida, talvez devido à urgência dos tempos modernos.

Nesta estrofe: Eu quero crer no amor numa boa/ Que isso valha pra qualquer pessoa/ Que realizar a força que tem uma paixão. Pode ser entendido que Lulu acreditava que no futuro estaríamos vivendo em tempos mais tolerantes e que consideraríamos justa toda a forma de amor.

Esta outra estrofe: Eu vejo um novo começo de era/ De gente fina, elegante e sincera/ Com habilidade/ Pra dizer mais sim do que não, não, não pode estar simbolizando novamente a crença do autor em que na virada do milênio, as pessoas seriam mais sabias e esclarecidas, então não seriam necessárias tantas leis proibitivas.

Sem dúvida nenhuma que sob certos aspectos estamos vivendo em tempos melhores, mas infelizmente os tempos modernos profetizados por Lulu não chegaram ainda, infelizmente vivemos em tempos em que ainda é relevante a pergunta de Renato Russo: "Que país é esse?".