Em épocas como essa é lugar comum relembrarmos. E planejarmos. O que me impele a escrever hoje é simples: minha lembrança se confunde com um plano. Ela planejava. Todos os seus dias eram programados e terminavam com as mãos postas à frente da rádio globo cochichando a Ave Maria, pois ela sabia: Deus sempre ouvia. E Deus também se concretizava em seu carinho quando nos tocava, recitando: "Dois te deram, três te tirarão. Quer São Pedro, São Paulo e o Apóstolo João. Como sai o sal do mar sagrado, saia desse corpo o mal olhado."

E eu às vezes até queria ouvir sua voz ou sentir seu toque...

seja em sonho, seja sei lá como. Mas, hoje tive um "plim" (lampejo, como meu filho sempre corrige): ela fala em mim. Irene. De Jesus. Minha avó tinha o silêncio predominante e a fala certeira. E a chinela mais certeira ainda na única vez em que dela apanhei. Mulher sábia. Edificava a casa. Criou quatro filhos, uma neta e toda uma cultura em minha vida.

É exatamente isso: as lembranças se confundem com meus planos: lembro minha avó cuidando das plantas, ficando feliz quando elas floresciam, cuidando da casa e da comida, olhando os rebentos todos, feitos de pele, pelos e folhas. Seguiam seu curso sob seu olhar generoso. Vejo os cabelos brancos seguindo o traçado das tranças envolvidas em um coque final.

Isso era depois das seis, com a casa limpa e o cronograma finalmente concluído, com um resultado duradouro nos paninhos de crochê que pairavam na cesta de vime, colorida... e mais tantas coisas que hoje reconheço, tanto no que faço quanto no que farei.

Irene. De Jesus. Nome dela. Meu nome. Nome do Menino-Exemplo que ela seguia e me fez apreender e trazer para minha Família de pele, pelos e folhas.

Quando toco meus filhos orando por eles vejo sua mão ao lado da minha, tecendo o sinal da cruz. O céu onde ela está é o mesmo que aprecio, pois aprendi com ela a fazer isso. As flores que ela plantou se perpetuam naquelas que atualmente são fotografadas pela minha filha, bisneta de Dona Irene, sob o também olhar de meu garoto, bisneto de Dona Irene, que olha com aquela cara de "aff-mais-uma-coisa-de-mulher-ficar-rindo-pra-planta".

Somos felizes. Como lembro que eu era com ela. Como planejo que seremos sem ela, mas com ela se desdobrando em seus sorrisos contidos e em suas canções timidamente sussurradas: "Alecrim... alecrim dourado, que nasce do monte sem ser semeado... Foi meu amor... que me disse assim que a flor do campo é o alecrim..."