Minha avó é uma pessoa sábia, do tipo que as panelas têm de ser límpidas como espelhos. Você tem que se ver nelas. Panos de pratos organizados por ordem de uso: há os do dia a dia e os especiais, para dias em que recebemos visitas.

Um dia, levei para ela uma reportagem que falava sobre os problemas causados por panelas que eram escovadas com palha de aço. Ela vira pra mim e diz: estou com quase 90 anos e não tenho nenhum problema desses. Sempre foi assim. E vocês estão bem gordinhos e com saúde. Então, pensei que o problema para fome estava resolvido: dá palha de aço para as crianças!

Quando estávamos com tosse, minha avó fazia chá de brasa com açúcar queimado. Quando estávamos com dor de dente, mais uma vez chá. Dor de cabeça: chá. Dor de barriga, piolho, joelho ralado, frieira, conjuntivite, sarampo, catapora, caxumba: mais chá. E quando estávamos sangrando, quase à beira da morte, o que acontecia? Vocês pensaram no chá, não é? Pois é... Aí ela nos levava ao médico. Só assim mesmo: tinha de estar quase morrendo para nos livrarmos do chá.

Ela sempre começa uma frase dizendo que no tempo dela as coisas eram diferentes e que hoje reclamamos de barriga cheia. Outro dia, falei que estava muito cansada para lavar roupa, e ela me deu o maior sermão, dizendo: no meu tempo não havia máquina de lavar.

Eu tinha que torcer para ter sol para andar até uma sanga perto de casa, com uma trouxa enorme de roupa suja na cabeça e uma escadinha de crianças em fila agarradas à minha saia. Quando, finalmente, chegava, começava meu tormento, porque eu tinha um olho na roupa e outro nas crianças. Era um tal de esfrega roupa suja aqui, agarra criança pelos cabelos ali...

Tudo para não deixar a pestinha se afogar. E quando me voltava para a roupa, via uma calçola boiando sanga abaixo... E eu olhava pra vizinha - que fazia o mesmo que eu, só tirando a parte das crianças, porque ela não tinha ainda esse fardo para carregar - e gritava: SEGURA QUE É MINHA!

Não teve jeito: escutei toda a narração chorando de tanto rir e fui colocar a roupa na máquina.

Quando ela finaliza a historinha, vejo um sorrisinho em seu rosto saudoso e aquela cara de quem diz: Viu? Não te caiu nem um pedaço...

Sabem com quem aprendi a cozinhar? Isso, isso, isso! Foi com minha avó. Um belo dia, eu com meus 10 anos, estava em casa assistindo a um desenho animado, quando minha avó me chama para me ensinar a fazer arroz. Olha só que coisa mais simples, diz ela, vou pegar uma panela e colocar no fogo, agora um pouco de banha, coloco o arroz, uma pitada de sal, deixo fritar um pouquinho e, por fim, coloco a água, entendeu? Eu faço que sim com a cabeça, ela continua: todos os dias, até você estar pronta para me ajudar na cozinha, eu vou te chamar para me ajudar a fazer o arroz.

Assim, aprenderá direitinho, e sei que o seu ficará bem melhor que o meu. Mas, por agora, vou te pedir somente para dar uma olhadinha enquanto vou ali e já volto, pode ser? Sim, pode ser, eu respondi. E foi isso que eu fiz: dei apenas uma olhadinha. Isso porque senti cheiro de queimado. Se eu não tivesse olfato, só Deus sabe o que aconteceria. Até hoje ela tem a primeira de muitas panelas que eu queimei ou torrei, sei lá, como vaso de flores. Nunca soube se ela gosta da lembrança, ou se é apenas para me torturar, vai saber!!!!...