Contos Negreiros de Marcelino Freire é um convite para refletir sobre temas contemporâneos. O livro é composto por 16 contos, denominados pelo autor como cantos, fazendo uma possível referência aos textos da Antiguidade Clássica, porém textos carregados de oralidade e linguagem popular. Uma mescla do estilo velho e do novo. A proposta sugere verificar alguns pontos do primeiro conto: Canto Primeiro: Trabalhadores do Brasil.
O título da obra, em um olhar mais geral, dá a sugestão que a obra tende a retratar histórias relacionadas ao homem negro.
Essa sensação é mais intensificada pela fotografia que ilustra a capa: foto em preto e branco de um homem negro, em pé, nu. Exposto como um produto, como fora na época da escravidão ou um penitenciário que está prestes a ser revistado. Desde a capa o autor deixa disponível ao leitor um livre jogo de reflexões.
Uma surpresa, os contos vão mais além. Não falam somente sobre a vida do homem negro, retratam o cotidiano daqueles que estão na margem da sociedade. A figura do negro, da prostituta, do favelado, do bandido, do eterno sonhador,. As periferias são o cenário das personagens brancas, negras, novas, velhas, escolarizadas, analfabetas etc. Dessas personagens, as histórias negras? O autor, por meio do arranjo das palavras faz gradiente do preto ao branco ou vice-versa.
Ao pensar em cores, pode-se pensar que o preto representa a ausência de cor, segundo os estudos da física o branco é a sobreposição de todas as cores. Talvez, esse jogo de cores pode nos revelar ideias, talvez, podemos perceber que nas histórias do livro, que em um primeiro julgamento são marginais, porém, pode-se encontrar o degradê até chegar ao branco.
Logo, nelas, também há, luz e a beleza, cores.
Como no primeiro conto, Canto Primeiro: Trabalhadores do Brasil, o narrador coloca para o leitor a reflexão sobre a força de trabalho. A ideia de que todos trabalham de alguma forma não há para onde fugir. O conto nos revela personagens reais, como Rainha Quelé que possivelmente se refere à Clementina de Jesus cantora de samba e também revela personagens místicos.
Temos a presença dos orixás cultuados no Camdoblé, divindades africanas trazidas ao país pelos escravos, porém as lendas de cada divindade não se relacionam diretamente com o contexto do conto.
O autor, coloca a disposição a realidade de cada personagens, afim de enfatizar que todos trabalham para alguma coisa. Tem-se a disposição das personagens reais e entidades religiosas. O trabalho é a certeza e sempre enfatizado pela pergunta: ta me ouvindo bem? Dando a possibilidade de o narrador estar falando diretamente com o leitor. Talvez um pedido de atenção à parte negra da história. Mesmo com o ritmo do trabalho que parece intenso, a possibilidade de sonhar. Até mesmo os orixás sonham. E o narrador tende pedir atenção: ta me ouvindo bem?
O conto é finalizado com trechos que nos permitem percorrer caminhos, sobretudo, preconceito.
Devido aos problemas sociais enfrentados no dia a dia, podemos dizer que "branco" se refere muito mais, do que o homem branco, o senhor da Casa Grande, como descrito pelo outro Freire, no caso Gilberto. O branco pode se direcionado ao que não é marginal. Ser possível interpretar o branco a parte boa. Pode-se entender Hein seu branco safado?, como felicidade, etc., o colorido. Como se a felicidade estivesse 'escondidinha' em meio ao negro. Ambas as interpretações são ratificadas pelo parágrafo seguinte: Aqui ninguém é escravo de ninguém.