O mundo das histórias em quadrinhos e dos personagens que só existem nos desenhos acordou nesta terça-feira (24) com menos cores e com o fim de uma aventura. Albert Uderzo, um dos pais do personagem Astérix, morreu aos 92 anos, em sua casa em Neuilly-sur-Seine, perto de Paris.
De acordo com informações prestadas pela família, o cartunista e ilustrador deu seu último suspiro enquanto dormia. O genro de Uderzo, Bernard de Choisy, observou que o artista estava muito cansado nas últimas semanas. A causa oficial foi parada cardíaca, desmentindo assim um possível óbito decorrente da pandemia de coronavírus.
Dupla unida
Albert Uderzo foi, juntamente com René Goscinny, criador e idealizador de uma das séries mais famosas de personagens de histórias em quadrinhos do mundo.
Os dois criaram, em 1959, as aventuras do povo gaulês que resistiam à invasão das tropas romanas, já que estas desejavam anexar a Gália (região que compreende atualmente a França, a Bélgica e parte da Itália) ao Império.
Desde o final dos anos 50 do século XX até agora, Astérix vendeu cerca de 380 milhões de exemplares, os quais foram traduzidos para 111 idiomas.
Contudo, todo este sucesso retumbante não foi visto na íntegra por René Goscinny, porque veio a falecer em 1977, durante um teste de estresse realizado para um exame de saúde.
Mesmo abalado com a falta de René, Albert decidiu continuar e fundou sua própria editora, a Albert-René. Albert Uderzo prosseguiu sozinho na publicação das histórias até o ano de 2011, quando passou o bastão para uma nova geração de quadrinistas. Concordou com esta transferência de trabalhos, mediante sua supervisão pessoal e acompanhamento dos profissionais mais jovens.
Nos últimos anos, Albert Uderzo enfrentou uma batalha judicial com a filha de Goscinny, Sylvie, pelos direitos de Astérix. A batalha nos tribunais terminou em 2014 --após sete anos--, quando ambas as partes chegaram a um acordo.
Inspiração e mecânica
Albert Uderzo nasceu em 1927, no nordeste da França, e pertencia a uma família de imigrantes italianos.
Apesar de ser daltônico, deu-se muito bem com o lápis e as cores, já que gostava de desenhar.
Fã de Mickey Mouse e de Popeye, Uderzo recebeu o incentivo do irmão, Bruno, que o apresentou a uma editora de Paris, especializada em livros e revistas infantis. Nesse instante, ele tinha 14 anos de idade e se sentia dividido porque gostava de outro ofício, a mecânica de aviões.
Em 1951, conhece o parceiro e desenhista René Goscinny, cuja união durou 26 anos. Após uma viagem feita à Bretanha (região noroeste da França) os dois tiveram a ideia de construir o mundo em “ix”.
Como consequência, o processo criativo tomou a forma do grandalhão Obelix, companheiro inseparável do baixinho Astérix e de seu cão Ideiafix, do mago Panomarix, além de outros.
Estas figuras não são de carne e osso e adquiriram muita fama em todos os cantos do planeta. Entretanto, Uderzo (que era uma pessoa real) não era tão conhecido. Tinha caráter reservado e tranquilo. Gostava de falar do seu trabalho e de seus automóveis, principalmente Ferraris.
Enriqueceu bastante e morou em sua mansão nos arredores de Paris, graças à sua invenção do povo gaulês. Foram várias histórias em quadrinhos, cerca de 15 filmes (entre cinema e animação), aparições em videogames e a construção de um parque de diversões temático.
Curioso foi falar sobre sua vocação para o desenho quando, certa vez, disse que sua “mão não feita para este trabalho. Olhe para as patacas que eu tenho! São mãos de açougueiro, tenho ossos grandes como meu pai.
Pintei todos os meus desenhos com pincel, o que exige muita habilidade”.
Não parece lógico proferir a frase “vida longa ao imperador”, conhecida no meio dos inimigos romanos; mas, não há dúvida de que Uderzo se equivaleu à Panoramix, levando, expandindo e transmitindo a magia das histórias em quadrinhos. Ele merece um menir como homenagem, objeto carregado por Obélix, seu personagem preferido da série.