Com 2023 se aproximando do fim, vale a pena recapitular algumas das principais notícias falsas que circularam na internet este ano. De novos temas, como a guerra entre Israel e Hamas ou os incêndios florestais no Havaí, a velhos conhecidos, como a pandemia da Covid ou a crise climática, não faltaram tentativas nas redes sociais de enganar os internautas desavisados sobre os principais destaques do noticiário. Confira abaixo 10 das alegações falsas mais importantes que foram verificadas por nossa equipe ao longo de 2023.

Palestinos se maquiando para fingirem estar feridos

Alegação falsa: Em meio ao atual conflito entre Israel e Hamas, a velha teoria da conspiração dos chamados “atores de crise” foi amplamente utilizada nas redes para contestar a escala da tragédia humanitária em Gaza.

Entre as muitas narrativas falsas que circularam sobre o assunto na internet, usuários das redes sociais compartilharam um vídeo que mostra homens e mulheres sendo maquiados com sangue falso para simularem ferimentos no rosto, pernas e braços. Segundo as publicações, as imagens mostram palestinos simulando terem sido gravemente feridos em ataques israelenses.

Verdade:

  • Uma busca reversa na internet mostra que o trecho compartilhado nas redes sociais faz parte de um vídeo publicado em março de 2017 na página da emissora turca TRT World no YouTube.
  • Segundo a reportagem, as imagens mostram a maquiadora palestina Mariam Salah trabalhando em um documentário da organização humanitária internacional Médicos do Mundo sobre os perigos enfrentados pelos moradores de Gaza.

BBC e Bellingcat não informaram que Ucrânia vendeu armas ao Hamas

Alegação falsa: Usuários das redes sociais ao redor do mundo compartilharam um suposto vídeo da BBC News que afirma que uma reportagem do site investigativo Bellingcat revelou que o governo da Ucrânia teria vendido secretamente armas e munições ao grupo islâmico Hamas, antes deste lançar o ataque surpresa sem precedentes a Israel no último 7 de outubro, o que acabou desencadeando a atual guerra na região.

Verdade:

  • Em uma publicação em seu perfil oficial na plataforma X, o Bellingcat compartilhou uma reprodução de tela do vídeo da BBC News, acompanhado do seguinte texto: “Estamos cientes de um vídeo falso da BBC que está circulando nas mídias sociais, alegando falsamente que a Bellingcat verificou a venda de armas ucranianas para o Hamas. Não chegamos a nenhuma conclusão desse tipo nem fizemos nenhuma afirmação desse tipo. Gostaríamos de enfatizar que se trata de uma invenção e que deve ser tratada como tal”.
  • Também em publicação na plataforma X, o repórter Shayan Sardarizadeh, da BBC Verify, a unidade de verificação de fatos da emissora pública britânica, informou que o vídeo que circula nas redes sociais “é 100% falso”.
  • O governo da Ucrânia, que condenou oficialmente o ataque do Hamas a Israel, acusou, em uma publicação na página oficial de sua agência de inteligência militar no Facebook, a Rússia de promover uma “campanha de desinformação” para acusar a Ucrânia de vender armas para grupos terroristas.

Estudo europeu não concluiu que vacinas contra a Covid causam danos cerebrais a longo prazo

Alegação falsa: Usuários das redes sociais ao redor do mundo compartilharam uma reprodução de tela de um artigo com o seguinte título: “Estudo europeu conclui que vacinas da Covid causam ‘danos cerebrais de longo prazo’”.

Verdade:

  • Uma busca reversa na internet mostra que o artigo compartilhado nas redes sociais foi publicado originalmente pelo site The People's Voice, famoso por espalhar desinformação e que já operou anteriormente com os nomes News Punch e Your News Wire.
  • O artigo indica como fonte da informação um estudo preprint –isto é, que ainda não contou com a revisão de outros cientistas– feito por pesquisadores da Alemanha e da Dinamarca, intitulado “Acúmulo da proteína SARS-CoV-2 Spike no eixo crânio-meninges-cérebro: possíveis implicações para complicações neurológicas de longo prazo no pós-COVID-19” e publicado no último dia 5 de abril na plataforma BioRxiv.
  • Em declarações à agência Associated Press, o neurocientista Ali Ertürk, diretor do Instituto de Engenharia de Tecidos e Medicina Regenerativa do Centro Helmholtz de Munique e um dos autores do estudo, afirmou: “Não fizemos nenhum experimento com vacinas e mostramos e afirmamos que não há nenhum efeito colateral da vacina”.
  • Ertürk esclarece ainda que o estudo revelou o acúmulo da proteína Spike "na medula craniana, meninges cerebrais e parênquima cerebral" após a infecção pelo coronavírus.

“Doença X” não é uma nova pandemia que os cientistas estão planejando

Alegação falsa: Usuários das redes sociais no Reino Unido compartilharam um artigo publicado pela emissora britânica Sky News com o seguinte título: “Doença X: cientistas britânicos começam a desenvolver vacinas contra a nova pandemia”.

De acordo com os posts, isso seria uma indicação de que a próxima pandemia está sendo planejada pelos cientistas.

Verdade:

  • Em primeiro lugar, o artigo da Sky News, publicado no último dia 7 de agosto, informa que uma equipe de mais de 200 cientistas trabalha em um laboratório de alta segurança do governo britânico em Porton Down, no sudoeste da Inglaterra, elaborando vacinas para “uma lista de ameaças de vírus animais capazes de infectar seres humanos e que, no futuro, poderiam se espalhar rapidamente pelo mundo”. “Não se sabe qual deles irá se espalhar e desencadear a próxima pandemia, e é por isso que ele é chamado apenas de ‘Doença X’”, deixa claro a reportagem.
  • O trabalho faz parte da chamada “Missão 100 Dias”, uma iniciativa global que visa desenvolver vacinas seguras e eficazes contra qualquer ameaça potencial de pandemia em um prazo de 100 dias após sua identificação.
  • Ao contrário do que sugerem as postagens virais nas redes sociais, o termo “Doença X” não é novo, sendo utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ao menos desde 2018 para representar “o conhecimento de que uma epidemia internacional grave pode ser causada por um patógeno atualmente desconhecido como causador de doenças humanas”.

Recordes de calor não foram quebrados recentemente após Agência Espacial Europeia passar a medir a temperatura da superfície em vez da temperatura do ar

Alegação falsa: Usuários das redes sociais na Europa compartilharam a alegação de que os recordes de calor registrados este ano durante o verão no hemisfério norte se devem a uma suposta mudança por parte da Agência Espacial Europeia (ESA) nos protocolos de medição, passando a usar dados da temperatura da superfície da Terra, em vez da temperatura do ar, geralmente mais baixa.

Verdade:

  • Em declarações à agência espanhola de checagem de fatos Newtral, a assessoria de imprensa da ESA afirmou que a agência “não faz previsão de temperaturas, nem do ar, nem do solo”. “O que fazemos é monitorar a Terra a partir do espaço”, afirmaram.
  • Em uma publicação em seu site no último dia 31 de julho, a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), informou que no último dia 6 de julho “a média diária da temperatura média global do ar na superfície ultrapassou o recorde estabelecido em agosto de 2016, tornando-se o dia mais quente já registrado”.
  • Ainda segundo a WMO, sempre com base em dados da temperatura do ar, as três primeiras semanas do último mês de julho foram o período de três semanas mais quente já registrado.

Biden não concedeu direito de voto a cerca de 500 mil imigrantes venezuelanos sem documentos

Alegação falsa: Após o Departamento de Segurança Interna americano anunciar no último dia 20 de setembro que cerca de 472 mil venezuelanos sem documentos que chegaram no país até o último dia 31 de julho poderão se qualificar para receber o Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês), usuários das redes sociais passaram a compartilhar a alegação de que o presidente Joe Biden estaria concedendo direito de voto a cerca de “500 mil invasores”.

Verdade:

  • Segundo informação publicada no site do Departamento de Segurança Interna americano, o TPS “é um benefício temporário que não leva ao status de residente permanente legal ou dá qualquer outro status de imigração”. Ainda segundo o documento, uma vez concedido o TPS, o beneficiário não pode ser detido pelo Departamento de Segurança Interna com base em seu status de imigração nos Estados Unidos.
  • Segundo a legislação federal americana, apenas cidadãos do país podem votar em eleições federais, e os beneficiários do TPS não se tornam automaticamente cidadãos dos EUA.
  • Ao anunciar a medida em setembro, o secretário de Segurança Interna, Alejandro Mayorkas, afirmou que a decisão do governo americano foi tomada “com base na crescente instabilidade e falta de segurança da Venezuela devido às persistentes condições humanitárias, de segurança, políticas e ambientais”.

Não há evidências de que armas de energia direcionada tenham causado incêndios no Havaí

Alegação falsa: Usuários das redes sociais ao redor do mundo compartilharam a alegação de que os incêndios que atingiram em agosto a ilha de Maui, no Havaí, deixando ao menos 100 pessoas mortas, teriam sido causados por “armas de energia direcionada” (DEW, na sigla em inglês).

Algumas publicações trazem como supostas provas da alegação registros do que seriam raios laser iniciando os incêndios.

Verdade:

  • Uma busca reversa na internet mostra que as imagens compartilhadas nas redes sociais, na verdade, são antigas e não foram nem mesmo registradas no Havaí.
  • Uma das imagens, por exemplo, mostra o lançamento de um foguete da SpaceX a partir da base de Vandenberg, na Califórnia, em maio 2018, enquanto outra mostra uma queima controlada em uma refinaria de petróleo em Ohio em janeiro de 2018.
  • Apesar de as autoridades americanas ainda estarem investigando as causas do incêndio em Maui, não há evidências de que armas de energia direcionada estejam envolvidas. Em uma coletiva de imprensa no último dia 9 de agosto, o major-general Kenneth Hara, comandante geral da Guarda Nacional do Exército do Havaí, afirmou que as condições de seca prolongada, juntamente com a baixa umidade e os fortes ventos, criaram “as condições para os incêndios florestais”.

FBI não anunciou que o chamado “Pizzagate” é real

Alegação falsa: Usuários das redes sociais nos Estados Unidos compartilharam a alegação de que o FBI teria confirmado oficialmente nas últimas semanas que a teoria da conspiração conhecida como “Pizzagate” é real.

Verdade:

  • O “Pizzagate” é uma teoria da conspiração surgida durante as eleições presidenciais americanas de 2016 que alega sem nenhuma base que políticos democratas de alto nível, incluindo a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, estariam envolvidos em uma rede de tráfico sexual de crianças que opera em uma pizzaria de Washington D.C. chamada Comet Ping Pong.
  • Uma busca na internet mostra que a alegação de que o FBI teria confirmado que o “Pizzagate” é real surgiu inicialmente em um artigo publicado no último dia 23 de novembro, no site The People's Voice –anteriormente chamado Your News Wire e NewsPunch–, famoso por promover desinformação e teorias da conspiração.
  • O artigo afirma que o FBI fez o suposto anúncio sobre o “Pizzagate” em documentos judiciais relacionados à prisão de Clinton Harnden, no último dia 13 de novembro, no Texas, acusado de posse de material com pornografia infantil.
  • Em declarações à Associated Press, Connor Hagan, porta-voz do escritório do FBI no Texas, afirmou que a agência não fez nenhuma menção ao “Pizzagate” nos documentos ligados ao caso de Clinton Harnden.

É falso que alguns “estados liberais” americanos permitem aborto após o nascimento

Alegação false: Em uma entrevista à emissora CNN no último dia 18 de julho, o governador da Flórida e pré-candidato do Partido Republicano à Presidência dos EUA nas eleições de 2024, Ron DeSantis, afirmou que “alguns estados liberais” do país permitem a realização do aborto após o nascimento do bebê.

Verdade:

  • De acordo com o Instituto de Informações Jurídicas da Faculdade de Direito de Cornell, em Nova York, um aborto é “a interrupção intencional de uma gravidez”. O Instituto Nacional de Saúde dos EUA, por sua vez, define o aborto como “um procedimento para interromper uma gravidez”, podendo ser feito de duas maneiras: aborto medicamentoso, que utiliza medicamentos para interromper a gravidez, e aborto procedimental, no qual é realizado um procedimento para remover a gravidez do útero.
  • Interromper a vida de um bebê após o nascimento, portanto, não configura, tanto do ponto de vista médico quanto legal, um aborto, mas sim um infanticídio. Nenhum estado americano permite atualmente o infanticídio.

Nasa não alertou que tempestade solar pode causar um “apocalipse da internet”

Alegação falsa: Usuários das redes sociais ao redor do mundo compartilharam a alegação de que a Nasa teria emitido um alerta informando sobre a possibilidade de uma futura tempestade solar causar um “apocalipse da internet”, deixando as pessoas sem conexão por meses.

Algumas das publicações atribuem a informação a um suposto descoberta feita pela Sonda Solar Parker, da Nasa.

Verdade:

  • Lançada em 12 de agosto de 2018, a Sonda Solar Parker tem como missão, segundo a Nasa, expandir nosso conhecimento sobre a origem e a evolução dos ventos solares, viajando mais perto da superfície do Sol do que qualquer outra espaçonave antes dela.
  • Um dos alertas que a Nasa faz em sua página sobre a missão da Sonda Solar Parker é que alterações no vento solar podem “alterar as órbitas dos satélites, reduzir sua vida útil ou interferir nos componentes eletrônicos a bordo”.
  • A Nasa, no entanto, não faz nenhum alerta para um suposto “apocalipse da internet” causado por tempestades solares em suas páginas e documentos sobre a missão da Sonda Solar Parker, ou de fato em qualquer outro espaço em seu site ou em seus perfis nas redes sociais.
  • Segundo dados publicados pela Nasa e pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, a comunidade científica está ciente há tempos de que os ciclos de atividade solar costumam durar cerca de 11 anos, com o último ponto de atividade mínima tendo ocorrido em dezembro de 2019 e o próximo pico – chamado de Ciclo Solar 25 – previsto para 2025.
  • "Embora não estejamos prevendo um Ciclo Solar 25 particularmente ativo, erupções violentas do Sol podem ocorrer a qualquer momento", disse Doug Biesecker, Ph.D., físico solar do Centro de Previsão do Tempo Espacial da NOAA, em um relatório publicado no site da NOAA.