Uma bomba de efeito retardado ou uma granada que é lançada em direção ao outro lado do terreno e não explode para só causar estrago mais tarde.

Eis o relacionamento tenso e controverso entre o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o Presidente Jair Bolsonaro.

Após defesas ferrenhas de suas posições em relação à política de quarentena e de isolamento social adotadas, a interação entre esses dois personagens foi se deteriorando a partir do mês passado. Ambos se estranhavam e lançavam mão de seus pronunciamentos com tendências e objetivos opostos e conflitantes.

Bater de frente

Mandetta já vinha avisando e dando pistas de que, mais cedo ou mais tarde, seria substituído por discordar do entendimento do Presidente na condução e combate à pandemia do coronavírus.

Jair Bolsonaro advogava a abertura do comércio e a maior flexibilização da circulação de pessoas. Porém, o Ministro da Saúde preferia seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das ações adotadas em outros países do mundo. As coisas foram só se acirrando e Mandetta chegou a profetizar a sua exoneração, tornando-se realidade no dia 16/04/2020.

Na verdade, a “bola” já fora “cantada” dez dias antes, quando Bolsonaro ficou realmente determinado em tirar Mandetta da pasta. Isso não ocorreu de fato, porque houve a intervenção de outros Ministros, como o da Casa Civil.

Foi por um triz.

O clímax de tensão era grande e se evidenciou em duas ocasiões: numa entrevista à Rádio Jovem Pan, Bolsonaro confessou que estava “se bicando” com Mandetta e que “faltava humildade” ao seu Ministro. Em resposta, Luiz Henrique Mandetta disse que “quem tem mandato público fala e quem não tem, como eu, trabalha”.

A segunda ocasião se caracterizou por uma conversa em tom mais áspero: por telefone, Bolsonaro teria pedido a saída de Mandetta. Este, por sua vez, respondeu: “o senhor me demita, presidente”. Durante o diálogo, o Ministro da Saúde observou que Jair Bolsonaro se responsabilizaria sozinho pelas mortes decorrentes da Covid-19 no Brasil.

Dever cumprido

Em sua conta no Twitter, Luiz Henrique Mandetta, confirmou sua demissão e agradeceu a oportunidade dada, objetivando à melhoria da saúde do povo brasileiro. Também mencionou seu trabalho de enfrentar o coronavírus e terminou a mensagem afirmando que o grande desafio do sistema de saúde está por vir. Seria outra espécie de profecia ou uma alusão velada ao momento de pico da pandemia no Brasil em futuro próximo?

O Instituto Datafolha realizou uma pesquisa acerca da aprovação popular ou não da demissão de Mandetta e o resultado foi que 64% dos entrevistados se declararam contrários à atitude efetuada pelo Presidente Jair Bolsonaro.

Perda de espaço e descrédito

Para o Prefeito de Salvador e Presidente do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto, a “fritura” de Mandetta e as críticas de Bolsonaro dirigidas ao Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, “acabam por degradar o apoio que ele ainda podia ter dentro do partido”.

Ultimamente, Maia e Bolsonaro têm se estranhado, a ponto de o Presidente considerar o desempenho do líder maior da Câmara como “péssimo”. Em sua opinião, Rodrigo Maia não tem cooperado e quer só atacar o Governo federal.

A declaração do Presidente foi feita após a reação de Maia e de Davi Alcolumbre (Presidente do Senado), em que ambos não concordam com a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Todos os três são filiados ao partido DEM.

Questionado sobre a postura do DEM frente aos ocorridos, ACM Neto respondeu que o foco é combater a pandemia e o partido prefere ficar ao lado da saúde e da ciência.

Sabe-se que dentro do partido, não há unanimidade em apoiar Bolsonaro e, do ponto de vista prático, o DEM perde o controle de um Ministério considerado central na configuração política.

Outro perdedor dessa gangorra foi o Governador de Goiás, Ronaldo Caiado, uma das principais figuras que aproximou o partido de Jair Bolsonaro. Neste caso, o resultado tem sido negativo para Caiado: primeiro, por causa da saída de seu indicado para a pasta da Saúde (Mandetta) e segundo, porque além de ter rompido com o presidente, ele possui ideias semelhantes às de Mandetta, quando se trata de quarentena e solução da pandemia.

Já tem outro

O próximo Ministro da Saúde será o médico oncologista e consultor Nélson Teich, o qual já se reuniu com o Presidente Jair Bolsonaro e causou boa impressão no meio político. Nélson Teich dispensou a cerimônia formal de posse no cargo e já começou a arregaçar as mangas.