Durante um trabalho de campo realizado no Pantanal, aconteceu algo inusitado. Montamos um acampamento próximo a um riacho para facilitar a movimentação de campo durante as coletas e, durante os períodos vagos, ficávamos trabalhando em nossos computadores e transitando neste acampamento, principalmente no período da noite.
Um dos dias, estava indo do local onde utilizávamos os computadores para a minha barraca e de repente alguns colegas começaram a gritar me alertando. Estava em meu momento de "folga" então estava de bermuda e chinelo, e andando na grama a noite.
Quando fui chegando mais próximo, consegui entender o que gritavam para mim: "cobra, cobra".
Parei no exato momento, sem me mover, comecei a iluminar o chão, para ver onde a tal cobra estava. A menos de 30cm do meu pé estava uma coral, e com precisão e rapidez consegui captura-la com minhas mãos, caso contrário ela poderia me atacar ao menor movimento (tenho experiência para tal feito, não tente fazer isso).
Levei aos meus colegas e então começamos a debater que espécie era, a coral verdadeira (Micrurus corallinus) ou a falsa-coral (Oxyrhopus guibei). Durante meu período de trabalho no Instituto Butantan, por diversas vezes entramos nesta discussão. Então, coloquei a meus colegas o que me foi ensinado neste período:
Muitos dizem que podemos identificar através de coloração da parte de baixo da cobra, sequência de anéis, tamanho do corpo, e muitos outros métodos, bom, todos eles não são precisos.
A única forma precisa de identificá-las é através da dentição.
A coral verdadeira possui uma dentição proteróglifa, ou seja, são dotadas de pequenos e fortes dentes não retráteis, localizados na parte frontal do maxilar superior. Com isso, a coral não pica seus oponentes como fazem as serpentes da família Viperidae (Jararacas e Cascavéis), mas os morde deixando a peçonha escorrer para dentro da incisão.
Já a falsa coral possui a dentição do tipo opistóglifa, ou seja, suas presas ficam na parte de trás do maxilar posterior, apresentando assim perigo altamente reduzido para o homem, pois quando ela morde, nem sempre essa dentição é utilizada.
É muito importante lembrar também que apenas alguém com experiência deve observar a dentição, pois é um procedimento perigoso e pode ocasionar acidentes.
Vale lembrar que a coral verdadeira é uma das espécies mais venenosas do Brasil, sendo seus sintomas dor, erupção escarlatiniforme e ínguas, perturbações da visão, queda de pálpebras, cansaço muscular, salivação abundante e diarreia, isso devido ao seu veneno possuir baixo peso molecular, que se espalha pelo organismo da vítima de forma muito rápida. Não são muitos os casos de picadas de Coral registrados, apenas 1% do total de acidentes, porém em todos os casos registrados a vítima foi a óbito.
Bom, após a breve explicação comprovei que se tratava de uma coral verdadeira (veja o perigo) e após analisarmos a dentição a soltei um pouco mais distante do acampamento, afinal, estávamos em seu habitat.
Como conclusão também levei o seguinte aprendizado, mesmo em seus momentos de descanso, em ambientes naturais é muito importante estar atento 24 horas, por isso, não repitam meu erro.