Poucos sabem, mas um dos maiores representantes brasileiros do Modernismo, o poeta Guilherme de Almeida, escreveu críticas e crônicas de Cinema para o jornal O Estado de São Paulo, no período de 1926 a 1942, numa coluna intitulada Cinematographos. O livro, de mesmo nome da coluna, traz ao público um pouco desse trabalho.
A antologia, feita pelos organizadores Donny Correia e Marcelo Tápia, respectivamente coordenador de programação e diretor do museu da Casa Guilherme de Almeida, é resultado de mais de um ano e meio de pesquisas no arquivo do jornal.
As críticas e crônicas, 218 no total, foram escolhidas, segundo Correia e Tápia, com base em critérios como filmes que hoje são considerados referências, e crônicas sobre a época.
E como Guilherme conheceu e analisou de perto as três fases importantes do cinema, o período silencioso, a chegada do som e, depois, da cor, o livro é entretenimento e aprendizado juntos. Cinematographos é uma viagem no tempo.
Com uma visão para além de sua época, o poeta analisa filmes que, hoje, são obrigatórios para estudantes de cinema e cinéfilos que se prezem. A condição de acontecimento social que o cinema desfrutava nesse período, sendo frequentado principalmente pela elite (vestida com suas melhores roupas), forneceu a Guilherme um vasto material para suas crônicas, nas quais ele reflete sobre os costumes paulistas.
O resultado saía na coluna Cinematographos: uma série de críticas à censura, uma enquete sobre o cinema falado (a novidade do momento), frequentadores donos de guarda-chuvas e bengalas inconvenientes, entre outras curiosidades.
Como crítico, Guilherme mostrou-se um profissional que assistia de tudo, um esperançoso em relação ao cinema nacional, e um fã assumido do cinema norte-americano. Ele destacava qualidades, apontava problemas, criticava dublagens, e percebia potencial aonde outros falhavam: a crítica que fez de Cidadão Kane talvez seja o melhor exemplo de sua visão perspicaz. Seria interessante vê-lo analisar o cinema atual; as temáticas políticas, as grandes produções, as tecnologias 3D e 4D.
É lamentável apenas que ele, um formador de opinião, tenha contribuído para a visão da mulher como objeto. Ao falar em uma crítica especificamente sobre o corpo de uma atriz, Guilherme incentiva que a mulher seja vista e pensada nesses termos. Os organizadores explicam que a indústria cinematográfica americana investia na beleza física de suas atrizes, criando o chamado "star system". E, ainda segundo eles, não se tratava, para a cultura da época (1941), de uma atitude de desrespeito ou de exploração da mulher e do corpo feminino, mas do "mito" visto na tela.
E será que essa "visão cinematográfica" não foi um dos fatores que contribuiu para todas as situações de falta de respeito, assédio e violência que as mulheres enfrentam até hoje?
Cinematographos: Antologia de crítica cinematográfica. Guilherme de Almeida. orgs: Donny Correia e Marcelo Tápia. Editora Unesp. 679 págs. R$ 95,00.