O ano mal tinha virado quando, de Manaus, vinham os primeiros alertas da nova crise penitenciária que se hospedaria por todo o país nos dias seguintes. Dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), 56 internos foram brutalmente assassinados logo no primeiro dia do ano, em um massacre sem precedentes na história do estado do Amazonas. Estava iniciada, nos corredores da maior Prisão de Manaus, a onda de violência e caos pelos presídios brasileiros.
Os corpos das vítimas - mutilados, em sua grande maioria - eram exibidos pelos seus atacantes como verdadeiros troféus nos chocantes vídeos que percorreram as redes sociais.
Tratava-se de uma sangrenta briga entre facções, que não se inicia ou muito menos se encerra em Manaus: na capital amazonense, a guerra só ganha mais um capítulo em uma triste novela que se estende pelo Brasil.
No caso específico do Compaj, homens ligados à Família do Norte (FDN), facção predominante na região Norte, atacaram os internos com ligação ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Para Marcos Rolim, jornalista, sociólogo e profundo conhecedor do tema carcerário brasileiro, o que se viu em Manaus - e, posteriormente, nas demais rebeliões - é fruto de uma omissão do Estado perante o sistema prisional vigente no país.
"O que se vê na grande maioria dos presídios brasileiros são acordos, tácitos ou não, pelos quais o Poder Público se afasta de todos os desafios do tratamento penal, em troca de uma determinada estabilidade que envolve ausência de fugas do regime fechado e de rebeliões.
Para se garantir esses resultados, as direções prisionais fazem ”vistas grossas” para a entrada de drogas e para o exercício do poder das facções. Os presídios passaram a ser, assim, empresas que agenciam os interesses das facções, especialmente seus interesses financeiros", avalia Rolim, em entrevista exclusiva à Blasting News Brasil.
Uma ilustração perfeita da análise de Rolim foi vista em uma reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no domingo, dia 8. Em um material de cerca de seis minutos, o telespectador pode conhecer a rotina dos detentos do Compaj, em Manaus, com livre acesso à cocaína e aos aparelhos celulares. Na esteira dos desmandos de dentro dos presídios, Rolim pede uma aplicação mais rigorosa da Lei de Execução Penal, datada de 1984 e reformulada em 2003.
"O Estado abdicou da Execução Penal. Os governantes e a opinião pública não se preocupam com a execução penal nem com o processo de estigmatização posterior que impedirá que os egressos tenham o direito a uma vida produtiva e legal. O problema que o tipo de equilíbrio alcançado pela negligência e pela pilantragem é sempre precário e pode ser desmontado como um castelo de cartas diante de uma guerra entre facções. É o que está ocorrendo agora", pontua.
Todos os presídios das grandes capitais brasileiras são dominados por facções. Em São Paulo, o PCC tem o maior controle. No Rio de Janeiro, o chamado Comando Vermelho (CV) aparece com mais força. Tratado como "bomba-relógio" pelas autoridades, o Presídio Central, de Porto Alegre, com mais de 4 mil internos, é um misto de facções.
Diante do atual panorama das cadeias do país, Rolim não vê como um cidadão ser preso e ficar alheio às facções dentro da prisão.
"Não é verdade que os presos fazem o que querem nas prisões, mas é, cada vez mais verdade, que a maioria dos presos não tem escolha a não ser fazer o que as facções querem que ele faça", finaliza.