O termo pé rapado, segundo o dicionário, é sinônimo de pessoa de origem humilde, pobre, pobretão. Mas você sabe como ele surgiu?
O poeta Gregório de Mattos, em um poema dedicado a uma mulata por quem se apaixonara, escreveu os seguintes versos, ainda no século17:
"Um cruzado pede o homem,
Anica, pelos sapatos,
mas eu ponho isso à viola
na postura do cruzado.
Diz que são de sete pontos,
mas como eu tanjo rasgado,
nem nesses pontos me meto,
nem me tiro desses trastos.
Inda assim se eu não soubera
o como tens trastejado
na banza dos meus sentidos,
pondo-me a viola em cacos,
o cruzado pagaria,
já que fui tão desgraçado
que buli co’a escaravelha
e toquei sobre o buraco.
Porém, como já conheço
que o teu instrumento é baixo,
e são tão falsas as cordas
que quebram a cada passo,
não te rasgo, nem ponteio,
não te ato nem desato,
que pelo tom que me tanges,
pelo mesmo tom te danço.
Busca a outros temperilhos,
que eu já estou destemperado,
estou para me rasgar
minhas cousas cachimbando.
Se tens o cruzado, Anica,
Manda tirar os sapatos,
E senão lembra-te o tempo
Que andaste de pé rapado
E andarás mais bem segura,
que isto de pisar em saltos
é susto para quem pisa,
e ao que paga
é sobressalto.
Quem te curte o cordovão,
por que te não dá sapatos?
mas eu, que te roo o osso,
é que hei de pagar o pato?
Que diria quem te visse
no meu dinheiro pisando?
Diria que quem to deu, /
ou era bosta, ou cavalo.
Pois porque não digam isso,
leve-me a mim São Fernando,
se os der, e se tu os calçares,
leve-te logo o diabo."
Antigamente as igrejas e prédios públicos tinham objetos como este da foto em suas entradas. Eles eram usados pelos pedestres para raspar a lama das solas dos sapatos antes de entrar nos recintos.
Somente os mais pobres tinham os pé sujos de barro, pois os cidadãos abastados chegavam à cavalo, de charrete ou mesmo liteira, e portanto, não sujavam o sapato.
A expressão "pé rapado" surgiu na informalidade, para designar (pejorativamente) os cidadãos das classes mais baixas.
O termo se popularizou primeiro nas zonas rurais, onde muitas vezes era a própria sola do pé descalçado que tinha a lama ‘’rapada’’ no objeto acima mostrado. Durante a Guerra dos Mascates, em 1710, o apelido era uma forma depreciativa de se referir as tropas da aristocracia ruralista que enfrentava o exército português.
Os rebeldes de Recife lutavam de pés descalços, ao contrário da cavalaria adversária, que entrava no campo de batalha ostentando bonitas botas que combinavam com o uniforme.
O pesquisador regionalista Luís da Câmara Cascudo escreveu em seu livro Locuções Tradicionais do Brasil que o termo é um sinônimo de "descalço, de pés nus, pé no chão", uma metonímia para designar a população de origem mais humilde.
A expressão "pé-rachado" tem o mesmo significado, embora faça analogia as rachaduras causadas nos pés devido ao fato de se andar descalços, sem conforto algum. Mas também é usada para designar pessoas da roça, campo e de origem bastante humilde.