Em meio a uma sociedade rodeada por avanços tecnológicos, um fantasma do passado ainda assombra todos os cantos do mundo. Fantasma este que persegue mulheres de todas as idades, levando-as a silenciarem gritos de socorro e a adaptar-se a uma realidade inaceitável. Estamos falando da violência contra a Mulher e o machismo, que atualmente é um assunto extremamente abordado pelos veículos de comunicação, mas que ainda é motivo de constrangimento para mulheres que convivem com as sequelas de um sintoma que ainda insiste em consumir qualquer vestígio de felicidade e liberdade das mulheres em todo o mundo.
O que dizem as estatísticas?
Estima-se, no Brasil, que 5 mulheres são espancadas a cada 2 minutos. O companheiro (seja marido, namorado ou ex) é o responsável por aproximadamente 80% dos casos reportados, de acordo com a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado (FPA/Sesc, 2010). De acordo com as pesquisas do CNJ, no país, a cada 100 mulheres, uma entra na justiça em casos de denúncia contra violência doméstica. Ao todo, são reportados cerca de 1.200.000 processos de violência doméstica.
Que tal uma pequena discussão?
A omissão através de ameaças, além da impunidade do agressor, é um fator que prejudica a denúncia de casos de violência contra a mulher. Atualmente, o machismo é ridicularizado e considerado como “coisa do passado”.
As pessoas, muitas das vezes, ignoram gritos de socorros e desconfortos. Ignoram o fato de que há mulheres sofrendo assédios em metrôs, na rua e, até mesmo, em seu próprio ambiente de trabalho. A omissão e o eufemismo da violência contra a mulher e do machismo têm levado muitas mulheres à instabilidade psicológica e, até mesmo, à sete palmos debaixo da terra.
É preciso que haja mais discussão sobre o assunto, é necessário dialogar e encorajar nossas mulheres a fazer o que é preciso: não se omitir e denunciar! Sendo assim, dois jornalistas que lidam constantemente com a violência contra a mulher e o machismo se dispuseram para uma discussão sobre assuntos tão falados e reprimidos simultaneamente.
Liliam Márcia Almeida Araújo, jornalista e proprietária do “O Alvorada”, primeiro órgão de imprensa impresso em Nova Alvorada do Sul, um pequeno município em desenvolvimento do Mato Grosso do Sul.
Ela é uma mulher forte e independente, que como muitas mulheres brasileiras, já passou por momentos difíceis em relacionamentos, mas que não se rendeu à violência que sofrera.
Iniciamos a entrevista com o esclarecimento de sua visão perante a violência contra a mulher e o machismo, ela afirma que atualmente há uma certa banalização de ambos e que “...as mulheres ficam coagidas e os homens continuam violentando com palavras, com atos, com ações” e ela declara que se propôs à entrevista com a finalidade de “alertar e para colaborar, porque as mulheres, elas precisam sair de dentro da casinha e pôr a cara à tapa e gritar e não permitir!”.
Liliam sofreu agressões pelas mãos de seu ex-parceiro, mas ela não se omitiu, não se calou e denunciou. Segundo a jornalista, “...a bebida, ela é a causadora maior da violência porque ele [o homem] bebe, ele perde o controle e ele violenta as suas companheiras.” E ela relata ainda que em um de seus relacionamentos “houve violência [...] de estar junto e de repente a casa cair e ser violentada com espancamento” “...toda vez que a gente tem um relacionamento que há violência, nos marca profundamente” “..., mas é uma realidade que ocorre hoje no Brasil e no mundo, com todas as classes sociais”. E afirma que, atualmente, a violência contra a mulher não deixa de ser chocante, entretanto, com muito otimismo declara, “mas a gente levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.
Quando questionada sobre o que a violência contra a mulher e o machismo trouxeram para sua vida, Liliam reponde sem pestanejar: “Decepção. Experiência. E acho que mais fé. Acreditar mais em Deus e menos nos homens!”
Atualmente, os centros de atendimento à mulher é uma das (escassas) opções para se recorrer em quaisquer casos de violência contra a mulher, mas que muitas das vezes deixam a desejar, principalmente em pequenos municípios. A empresária classifica o atendimento à mulher de Nova Alvorada do Sul como péssimo e ainda acrescenta: “Eu já tive problemas aqui, já fui, dei parte, teve até processo, fui muito mal atendida pela polícia local... eles acham normal isso, sabe? Se alguém telefona e depende de uma polícia militar para te atender, vai morrer de pancada!” E infelizmente, essa é a situação de muitas mulheres que buscam ajuda.
E devo salientar que este é um dos maiores motivos pelos quais as mulheres agredidas calam-se.
A autocensura da parte das mulheres é uma das consequências de quem sofre violência doméstica. A mulher passa a privar-se de coisas que gostava de fazer e de vestir. Ela perde sua liberdade, muitas das vezes por depender do agressor, e segundo Liliam, isto é “...uma covardia danada da mulher! Uma falta de confiança, sabe? Existe ainda mulheres independentes... como eu, já sofreram, então imagina [...] a mulher que depende de um homem violento e possessivo para comer, para vestir, para cuidar dos filhos. É dependência financeira.”, dependência esta que, na maioria dos casos não possuem um bom desfecho.
De acordo com os dados acumulados até o ano passado, o Estado de Mato Grosso do Sul lidera o ranking de processos de violência doméstica contra a mulher no Brasil, segundo o Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ. A cada 100 mulheres sul-mato-grossenses, três dão início a processos judiciários a fim de denunciar casos de violência. Os índices de violência no Estado já ultrapassaram a média nacional.
Quando indagada sobre uma forma de manter as mulheres seguras da violência e o machismo, Liliam propõe que as mães eduquem melhor os seus filhos “por mais que existe a liberdade, que a mulher hoje é a dona da casa, que a mulher hoje sustenta a casa... existe o machismo! As mães educam os filhos diferente!
A menina é educada diferente do menino! É o machismo que vem lá dos nossos ancestrais!” “... a gente carrega essa herança...”, argumenta.
Querendo ou não, o machismo é ainda muito decorrente não só na sociedade brasileira, como em todo o mundo. Na segunda temporada da série americana 13 Reasons Why, que muito abordou sobre o assunto, expõe os sentimentos hesitantes do personagem Clay Jensen (Dylan Minnette) perante as revelações e boatos de que Hannah Baker (Katherine Langford) havia se envolvido com vários garotos do colégio onde estudara. Na série, há a comparação entre Hannah e de Justin Foley (Brandon Flynn), como as garotas são rotuladas de forma diferente dos garotos. A série americana aborda também como os garotos podem construir suas identidades como bem querem, enquanto as garotas precisam lidar com o modo como a sociedade as veem e com rótulos advindos de boatos que, na maioria das vezes, não se passam de mentiras.
Além da perspectiva de uma mulher sobre o assunto, abordei um dos principais jornalistas de Nova Alvorada do Sul, o proprietário do “Alvorada Informa”, – um dos portais de notícias locais mais acessados –, Rones Cézar Leal.
Para Rones, “A violência contra a mulher representa uma grande sangria na sociedade. o maior problema hoje, da violência contra a mulher é o alcoolismo no lar.” E segundo ele, cerca de 90% dos casos de agressão de marido contra esposa e vice-versa está ligado ao alcoolismo. E acrescenta também que “O machismo a gente pensou que já tivesse sido banido da sociedade. E por incrível que pareça, é um dos fatores também hoje da violência no lar [...] está ligado ao machismo. Achar que só ele [o homem] tem direitos.
É não saber diferenciar o direito que a mulher também exerce na sociedade.”
Ao ser questionado sobre a sua rotina jornalística, Rones afirma que já presenciou algumas ocorrências de violência contra a mulher “a gente tem se deparado aí nos meios policiais, principalmente, marido que chega alcoolizado em casa e já vai [...] querendo exercer o poder sobre a mulher” Conforme o jornalista, nesse mesmo sentido, o que mais ele tem visto é marido chegando em casa alcoolizado e agredindo a esposa.
A respeito de como Rones Cézar se sente perante casos de violência doméstica, ele explica que “É difícil. É uma coisa que fere a gente, né, porque a gente tem família... e a gente sabe que um dos maiores sustentáculos hoje é a família...
E quando a gente vê esse tipo de coisa, [...] é deprimente” e adicionou que “as ocorrências na delegacia têm aumentado diuturnamente. Então, todos os dias tem uma, duas ocorrências de violência contra a mulher.”
Sobre a autocensura das mulheres, Rones afirma que em alguns casos, a mulher “é solitária [...] está difícil ela se defender, porque o marido... ele acha que é o dono de tudo. [...] Porque ele traz o sustento pra casa e que a mulher está dentro do lar trabalhando, ele acha que ele pode tudo e que a mulher não pode nada”.
Ao seu ver, sobre uma forma de manter as mulheres em segurança, Rones opina que as leis é uma ótima forma de garantir a segurança das mulheres brasileiras: “Eu acredito que as leis.
Fortalecer mais as leis em prol das mulheres. Na hora que as leis forem [...] mais pesadas, o cara sentir que se ele agredir uma mulher, se ele agredir um filho no lar... ele vai sofrer a pena das leis.”
Para finalizar, Liliam Márcia Almeida Araújo deixa um pequeno recado às mulheres que ainda permanecem caladas sob a sombra do medo constante:
“Eu quero, no final dessa entrevista, desejar que as mulheres se valorizem e que lutem pela não-violência, porque é uma coisa muito triste, a violência contra a mulher.”
Vivemos em uma sociedade “quebrada”, com muitíssimos pontos a serem revistos com urgência. Muitos dos cidadãos brasileiros prendem-se ao passado, agindo primitivamente. Em nossa pátria, há aproximadamente 12 assassinatos e 135 estupros de mulheres, diariamente, de acordo com os dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em outubro de 2017. Sendo assim, apenas deixo um breve questionamento para nos servir de reflexão:
Até quando?
https://br.blastingnews.com/brasil/2017/07/numeros-mostram-indice-de-violencia-contra-a-mulher-no-brasil-001746923.html
https://br.blastingnews.com/sociedade-opiniao/2017/09/8-frases-machistas-que-voce-pode-estar-repetindo-sem-se-dar-conta-002028731.html