A popularização da internet desde os anos 1990 e a proliferação das redes sociais representaram um verdadeiro terremoto para o mercado de mídia. Enquanto a chamada grande imprensa tenta se adaptar a essa nova realidade, o universo digital trouxe para aqueles que eram apenas consumidores de informação a possibilidade sem precedentes de se tornarem criadores de conteúdo.
Segundo Jeff Jarvis, crítico de mídia e professor da Faculdade de Jornalismo Craig Newmark, da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), "a internet está permitindo que a sociedade reaprenda como manter uma conversa consigo mesma, não mais com os guardiões dos grandes meios de comunicação de massa".
Em entrevista à BlastingTalks, Jarvis defende que o jornalismo deve repensar seu papel na sociedade e se ver “não como uma fábrica produzindo um produto chamado conteúdo”, mas “como um serviço que ajuda as pessoas a melhorar suas vidas e suas comunidades”.
“A internet hoje foi construída para falar, não ouvir. Então o que me anima na próxima fase da rede é construir uma rede que escute”, afirma Jarvis. “A oportunidade, eu acredito, é deixarmos as pessoas falarem, pois elas vão de qualquer maneira, mas aí agregar valor a essa conversa”.
Dando o exemplo da jovem de 17 anos que filmou e publicou na rede o vídeo de George Floyd sendo assassinado, Jarvis defende que "qualquer pessoa pode realizar um jornalismo ativo" hoje em dia.
Ele também defende que a imprensa deve parar de desperdiçar energia “repetindo uns aos outros, reescrevendo uns aos outros em assuntos triviais”, e, em vez disso, mudar esses recursos para um jornalismo mais investigativo, onde jornalistas profissionais sempre serão necessários.
Confira abaixo trechos da entrevista com Jeff Jarvis.
O que você definiria como jornalismo social?
A ênfase é essa, nós não começamos com o conteúdo, começamos com a conversa. Nós não começamos com o conteúdo, começamos com as comunidades. Os alunos encontram uma comunidade que é autodefinida. Uma comunidade de pessoas que têm uma necessidade e uma visão compartilhada do mundo.
Então eles observam, ouvem, simpatizam com, refletem essas comunidades e suas necessidades e, então, e somente então, eles podem começar a descobrir que jornalismo pode ser necessário e bem-vindo.
[...] Penso fundamentalmente o que o falecido professor James Carey, da Universidade de Columbia, disse, que a democracia é uma conversa. Acredito que o que a internet está fazendo é permitir que a sociedade reaprenda a manter uma conversa consigo mesma, não mais com os guardiões dos grandes meios de comunicação de massa, nem com os meios de comunicação de massa tratando todos da mesma forma. Em vez disso, ser capaz de reconhecer as pessoas como indivíduos e membros de comunidades. Reconhecer o jornalismo, em primeiro lugar, não como uma fábrica que produz algo chamado conteúdo, mas reconhecer o jornalismo como um serviço que ajuda as pessoas a melhorar suas vidas e suas comunidades.
No seu blog, você defende que o jornalismo não deve ser visto como "a fabricação de uma mercadoria [o conteúdo], mas como um serviço". Você poderia explicar melhor qual seria essa diferença?
Quero citar James Carey mais uma vez. Ele diz que o jornalismo não pauta o debate público, é pautado pelo debate público. Portanto, a primeira habilidade fundamental que ensinamos, e isso pode parecer banal e superficial, mas é verdade, é ouvir.
[…] Hoje conversamos muito sobre jornalismo de impacto, mas isso geralmente é: “eu escrevi minha história. Quantas pessoas leram? Quantas pessoas perderam tempo com isso? Isso mudou alguma lei?”. OK. Mas isso não é realmente sobre o impacto na vida das pessoas. Melhoramos a vida das pessoas?
Temos que mudar as métricas de nossa profissão, para ser baseado na comunidade, não com base em cliques, não com base no tempo gasto e na atenção. Esses são modelos antigos da grande imprensa. Em vez disso, precisamos perguntar: "ajudamos você?".
A Blasting News é uma plataforma aberta e nossa missão é dar voz às pessoas. Até onde você acha que isso é possível e quais são os principais desafios?
Acho que intimidamos as pessoas com a ideia de escrever, que escrever é difícil e apenas algumas pessoas conseguem. Mas todos podem conversar. E certamente vemos isso nas mídias sociais, no Twitter e no Facebook. Como gosto de dizer, o Twitter não é o New York Times, é a Times Square. É apenas um lugar onde as pessoas estão conversando, remonta à noção de James Carey de que a sociedade é uma conversa.
É por isso que me oponho à ideia de que o Twitter, o Facebook e o Google são mídias, não são. Eles são algo novo. A internet é uma máquina de conexão. Conecta pessoas umas com as outras, com informações, informações com informações, e assim por diante. Então, as pessoas já estão conversando. Eu acho que o que queremos fazer é tentar melhorar essas conversas.
[…] A oportunidade, eu acredito, é deixarmos as pessoas falarem, pois elas vão de qualquer maneira, mas aí agregar valor a essa conversa. Estou empolgado com o que você está fazendo porque, você não apenas permite que as pessoas falem, mas todas elas podem falar online. Mas aí você quer encontrar uma maneira de a conversa ser melhor para elas, e isso significa, eu acho, dar informações e elas.
Significa responder perguntas. Significa ajudá-las a se comunicar de uma maneira mais respeitosa. Significa entender seus objetivos e ajudá-las a alcançar esses objetivos. Essa é a essência do jornalismo. Isso não é qualquer coisa. Não é só colocarmos comentários e fóruns e deixarmos para lá. Isso, entender como melhorar o debate público, é jornalismo.
Sendo uma plataforma aberta, podemos ter uma série de opiniões mais amplas do que a grande imprensa em geral. Podemos falar para um público mais amplo, e isso é algo que é novo...
Sim exatamente. Eu acho que a outra coisa importante é que a internet é jovem, é muito jovem. Faz apenas 25 anos desde a web comercial em outubro de 1994. Eu acho que a internet hoje foi construída para falar, não ouvir.
Se você observar o que está acontecendo nos Estados Unidos agora, com nossos séculos de racismo extravasando com tudo, o que está acontecendo é que não ouvimos muitas vozes.
(...) Então conversamos muito sobre dar voz às pessoas. Bem, essas pessoas sempre tiveram voz. O problema é que não estávamos ouvindo. Então o que me anima na próxima fase da internet é construir uma rede que escute, é entender como podemos dizer às pessoas: “conte-nos sua história. Diga-nos o que você quer nos dizer”. E como as pessoas podem ficar curiosas e dizer: “’quero ouvir sua história. Eu quero saber mais sobre você. Eu quero entender melhor a sua vida”. Isso começa a ser uma internet mais produtiva e espero que possamos chegar lá.
Mas as ferramentas atuais não foram criadas para isso.
Recentemente, o Twitter começou a inserir alertas nas postagens do presidente Donald Trump, apontando a presença de conteúdo potencialmente falso. Você acha que isso é eficaz?
(…) Eles podem adicionar um aviso, podem adicionar informações, podem optar por não promover algo e podem retirar algo. Então eles têm essas ferramentas. Eles deveriam fazer isso com Donald Trump? Eu acho que eles deveriam. Não tanto porque de repente eles vão mudar a cabeça das pessoas, mas porque eles precisam defender algo. O Facebook e Mark Zuckerberg precisam defender o princípio e dizer que são contra o incitamento à violência, especialmente por alguém tão poderoso.
E ao não dizer nada, eles acabam como cumplices desse crime. Não se trata realmente de mudar a mente das pessoas. Não se trata realmente de convencê-los das coisas. É apenas sobre decidir o que você defende.
Na sua Opinião, o que diferencia um jornalista profissional de um jornalista amador? Qual acaba sendo a importância e o papel de uma universidade de jornalismo?
Qualquer pessoa pode realizar jornalismo ativo. A jovem de 17 anos que corajosamente filmou George Floyd sendo assassinado pela polícia, isso deu início a tudo o que estamos vendo agora, para que todos soubéssemos o que estava acontecendo. Colocar isso no Facebook, foi um ato de jornalismo corajoso. Não importa se ela se considera jornalista ou não.
Ela não é, é cidadã, mas aquele ato foi [de jornalismo]. Então, acho que temos problemas quando tentamos ser excludentes no jornalismo e dizer quem é jornalista e quem é irrelevante. Portanto, os jornalistas, em certo sentido, devem ajudar todos a serem capazes de, se desejam fazer jornalismo, se desejam encontrar informações, se querem entender melhor as coisas, esse é o nosso papel, não ser um clube fechado.
Grandes casos, como o sistêmico abuso infantil na área de Boston por inúmeros padres católicos, publicado pelo The Boston Globe, vieram à tona graças a jornalistas que tiveram a oportunidade de se dedicar por meses ao mesmo assunto, investigando e analisando. Até que ponto a crise do jornalismo profissional, o encolhimento das redações e o imediatismo das informações na internet colocam esse tipo de jornalismo em risco?
Recentemente eu tenho olhado muito sobre cidades sendo mais transparentes, com informações sobre licenças de construção, orçamentos e coisas assim. São dados que você pode colocar online.
(…) Depois, há as informações que as pessoas vão tentar esconder. E é aí que entra o jornalismo investigativo. Sempre vamos precisar disso e precisamos disso desesperadamente. De fato, eu diria que, se nos preocuparmos agora com o jornalismo que mais precisamos, é esse, e queremos apoiá-lo, e talvez precise ser apoiado com contribuições e caridade, mas também é um bom negócio.
(…) A quantidade de recursos que colocamos hoje em investigações nesse setor é pequena. Então, eu gostaria de ver muito mais. Acho que desperdiçamos muita energia nesse setor, repetindo uns aos outros, reescrevendo uns aos outros em assuntos triviais.
É aí que reside o problema. Precisamos mudar esses recursos.
Qual é a sua visão para comunicação nos próximos dez anos?
Gosto de olhar para Gutenberg e dizer que, de cerca de 1450, quando sua Bíblia foi publicada, passou um século e meio, até 1605, antes de alguém inventar o jornal. Até 1800 não tivemos nenhum grande avanço da tecnologia na imprensa. Demorou até 1900 para surgirem as transmissões, 1950 até surgir a televisão. Eu passo essa linha do tempo com os alunos na sala de aula. E então, chegamos a 2020. E, novamente, são 25 anos aproximadamente desde a introdução da internet comercial. Isso nos coloca no ano de 1475, no tempo de Gutenberg. Martinho Lutero ainda não nasceu, a Reforma ainda não começou.
O jornal ainda não foi inventado. Novas formas estão sendo criadas, como ensaios e romances para o público. Então acho que temos que olhar com esse tipo de paciência. E vai ser difícil. Acredito que todo mundo pensa que essa mudança é tão rápida. Eu acho que na verdade é muito lenta.