"Demian" foi publicado em 1919 e, assim como outras obras de Hermann Hesse, está intimamente relacionado com as experiências pessoais do autor. O jovem Sinclair, personagem principal do livro, pode ser considerado um retrato de Hesse e da juventude.
Se a juventude de 1919 lutava por encontrar o seu lugar ao sol, a juventude contemporânea da era da internet ainda luta para encontrar seu espaço e sua voz.
'Demian' e seu contexto histórico
Hermann Hesse nasceu em Calw, cidade situada no que hoje é a Alemanha, em 1877. Hesse começou a escrever em 1904.
Ele lutou na Primeira Guerra Mundial e, depois disso, passou a fazer psicanálise.
Hesse testemunhou a ascensão dos horrores de Hitler e seu governo totalitário na Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial. Contrário ao governo, o autor emigra para a Suíça, onde se torna cidadão do país. Após a Segunda Guerra Mundial, suas obras se tornaram sucesso na Alemanha.
A primeira tradução de uma de suas obras para o português aconteceu em 1935, do livro "O Lobo da Estepe". O autor se tornou um dos mais lidos no Brasil nas décadas de 1960 e 1970. “Quem quiser nascer tem de destruir um mundo”, já diria o próprio Hermann Hesse.
'Demian', a história
A obra acompanha a trajetória de Emil Sinclair, desde a infância até a maturidade.
Sinclair é um jovem solitário, de família religiosa, que percebe sua vida dividida entre dois mundos: a santidade e segurança do lar, e o pecaminoso mundo exterior, o mundo real.
Na infância, o jovem Emil Sinclair rompe com o mundo puro do lar por causa de uma mentira e, a partir daí, buscará o seu próprio caminho.
A obra apresenta ainda três personagens importantes, que serão uma espécie de guia para o jovem Sinclair: Max Demian, Pistórius e Eva.
Os personagens também são, de certa forma, uma representação do próprio autor.
E essa busca pelo próprio caminho, o rompimento e o distanciamento do padrão social é o caminho que Sinclair irá percorrer até encontrar seu lugar e entender a si mesmo. Para viver plenamente e encontrar o seu lugar no mundo, é necessário romper com tudo o que se conhece.
“A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem de destruir um mundo. A ave voa para Deus. E o deus se chama Abraxas”, destaca Hesse em sua obra.
'Demian' e os dilemas da juventude
Se em uma primeira leitura é possível interpretar que o estado de guerra está sendo duramente criticado pelo autor, também é possível trazer a obra para nosso tempo e interpretá-la como o culto ao individualismo como único caminho para a felicidade.
Não o individualismo na sua forma egoísta, mas individualismo porque cada ser deve voltar-se para dentro para compreender seu papel no mundo. Não é algo que possa ser compartilhado. É preciso romper todos os laços, todas as heranças sociais e iniciar a sua própria jornada.
"Mas o que me parecia estranho é que algo tão individual e isolado como o destino tivesse que ser vivido com tantos outros, com o mundo inteiro. Pois fosse", destaca Hesse.
Este trecho nos remete, imediatamente, à crítica de Sócrates à imitação do outro. A felicidade é algo completamente individual e Sócrates fala do destino ser um conjunto de acontecimentos os quais a pessoa não tem domínio e que se impõe a ela. O destino de cada um é único.
Além da influência do estado de guerra, há uma grande influência freudiana na obra. Após servir na 1° Guerra Mundial, Hesse buscou auxílio na psicanálise. No decorrer de sua vida o autor estudou a fundo as teorias freudianas. Em "Demian", é possível observar a influência de Freud em muitas passagens da obra, mas, principalmente, no Complexo de Édipo nos sonhos do jovem Sinclair.
Se "Demian" foi um representante da juventude de sua época, ele continua sendo um retrato da juventude. O questionamento à autoridade, a busca por significados e a necessidade de trilhar o próprio caminho são dores características da juventude de todos os tempos.
Assim, percebe-se que as questões que afligem a juventude atual não são tão diferentes dos dilemas dos jovens de cem anos atrás.