Nos últimos dez anos, as redes sociais se tornaram a forma predominante de ler e compartilhar notícias em uma velocidade sem precedentes. Embora isso possa ser visto como um avanço, também traz riscos cruciais que os usuários de mídia social têm o poder de combater.
Em entrevista à BlastingTalks, George Loukas, coordenador do Eunomia e professor da Universidade de Greenwich, conta mais sobre o projeto, uma plataforma de código aberto que auxilia os usuários das redes sociais a combater a desinformação, e como os jornalistas podem e devem ajudar. Eunomia é atualmente financiado pela União Europeia através do Programa Horizonte 2020.
Blasting News: Eunomia é um projeto que visa desenvolver um kit de ferramentas descentralizado para auxiliar os usuários das redes sociais a combater a desinformação.
Como coordenador do projeto, qual foi o ímpeto por trás deste programa?
George Loukas: Eunomia foi concebido em resposta a um apelo da Comissão Europeia por soluções inovadoras para enfrentar a desinformação. Existem muitas maneiras de fazer isso. Geralmente há alguma forma de intermediário. Por exemplo, um terceiro ou verificadores de fatos que podem dizer a você o que identificaram como verdadeiro ou falso. Também pode haver uma tecnologia, por exemplo, inteligência artificial usada para sinalizar algo como desinformação, ou –o mais comum hoje em dia– uma plataforma de rede social que faz isso.
Pessoalmente, não gosto que me digam em que acreditar. E suspeito que não sou o único. Essa foi minha motivação. Eunomia segue uma abordagem que permite ao usuário pensar o que é desinformação ou não.
Qual é o objetivo do projeto Eunomia?
Nossa experiência em outras áreas é um problema de larga escala que envolve os usuários.
Se eles não acreditarem ou se não se considerarem parte do problema e da solução, não farão nada a respeito. Portanto, a menos que as pessoas considerem que isso seja um problema delas, elas não farão nada a respeito, não importa quantas tecnologias você lhes forneça. É isso que o Eunomia faz, torna muito mais fácil para alguém não apenas falar que é parte do problema, mas também parte da solução.
Seu livro “Cyber-physical attacks” mostra como o mundo virtual pode afetar o mundo real. Você diria que as redes sociais têm essa influência no mundo real? Você poderia nos dar um exemplo?
Nossa atenção para ataques cibernéticos e seu impacto físico se tornaram mais óbvios por causa da internet. Vemos coisas que são físicas e estão conectadas à internet. O que as pessoas não veem é que a mídia social é quase a mesma. Se você acredita, por exemplo, em um falso tratamento para a Covid-19, isso terá um impacto físico direto sobre você.
Qual seria a “rotina de higiene” ideal ao ler as notícias?
É difícil encontrar uma ideal. Provavelmente é diferente para cada pessoa. Não pesquisamos o suficiente para saber qual é para quem.
Em vez disso, identificamos diretrizes com evidências científicas significativas –por exemplo, sobre o coronavírus. Existem muitos exemplos de conselhos que você pode obter de especialistas. Mas alguns são opiniões pessoais de especialistas, sem um estudo por trás deles. Então, tentamos encontrar aqueles que têm estudos por trás deles.
Eu diria que talvez a maneira mais poderosa de combater a desinformação seja não compartilhar algo a menos que você tenha lido. Parece óbvio, mas não é. Quando compartilhamos algo online, não necessariamente o fazemos porque lemos, mas sim porque apoia nossa opinião. É isso que espalha a desinformação, na verdade: é a velocidade. Sentimos que ganhamos algo em nosso círculo social por compartilhar algo ou por sermos os primeiros a contar a outras pessoas sobre algo.
Como você escreveu no blog do Eunomia, “A desinformação viaja mais rápido do que a informação confiável”. Você poderia explicar por quê?
Novas informações são o que torna algo interessante para compartilhar. É interessante para você compartilhar com alguém porque parece que você está por dentro, você quem soube antes dos outros. Portanto, cria essas condições para compartilhar muito mais rápido do que compartilhar informações que podem ser consideradas confiáveis. Os números podem ser surpreendentes.
As informações de especialistas não são necessariamente as mais populares nas redes sociais, ao contrário das opiniões de leigos, que se espalham rapidamente online. Como os especialistas podem virar o jogo nesta situação?
Os especialistas não sabem necessariamente como tornar a notícia viral ou mesmo como torná-la fácil de entender.
Especialistas não são especialistas porque tornam as coisas fáceis de entender. Eles são especialistas porque sabem melhor do que qualquer outra pessoa sobre uma área específica e restrita da ciência. O que eles podem fazer é dizer “sim” cada vez que um jornalista lhes pede uma entrevista. O jornalista é quem sabe traduzir isso em algo mais fácil de entender e mais interessante.
Como os jornalistas podem enfrentar melhor a infodemia?
Há uma coisa que eles não deveriam fazer, que é usar o medo como tática para vender mais.
Faz alguns anos que é óbvio que o medo não funciona. Pode funcionar a muito curto prazo, não a longo prazo.
O tiro sai pela culatra. Agora, a grande maioria das pessoas é muito cética sobre as vacinas porque não gosta que lhes digam o que fazer.
Isso emana em grande parte pelo medo. E o medo, claro, não é gerado por jornalistas, mas é ampliado por jornalistas. Eu sugeriria que uma apresentação mais equilibrada das últimas notícias provavelmente seria melhor no longo prazo. A Covid-19, por exemplo, é um problema de longo prazo. Pode ser melhor confiar nas pessoas, dando-lhes mais informações, em vez de fazê-las sentir medo.
Você oferece um novo mecanismo para descobrir cascatas de informação baseadas em posts, mostrando a postagem original mais antiga para destacar como as informações evoluíram ao longo do tempo.
Quais são os principais pontos de transformação/manipulação da informação?
Em primeiro lugar, a mesma notícia não só pode ser representada de maneiras muito diferentes, mas também por diferentes pessoas com vários objetivos.
Eu diria que o exemplo mais impressionante é quando uma foto legítima usada em um artigo foi usada anos depois, em um artigo completamente diferente, para apoiar um ponto de vista completamente diferente. Por exemplo, contra a imigração ou esse tipo de assunto.
Você também pode ter apenas uma vírgula alterando completamente o significado de um artigo. Ainda é verdade que aquilo foi dito por aquela pessoa na época, mas não foi isso que ela quis dizer. Nossa ferramenta, que procura postagens semelhantes do passado, em todo o Eunomia ecosistema como o chamamos, está ajudando a identificar a semelhança.
Ela não diz “isso não é confiável” ou qualquer coisa assim. Diz apenas: “três anos atrás, a mesma foto foi usada”. São os usuários da rede social, que são pessoas inteligentes, que podem tomar as decisões por si mesmas.
Se você apenas contar a eles sobre isso, permitirá que os usuários decidam o que fazer a respeito e se eles realmente devem compartilhar.
A Organização Mundial da Saúde descreveu a pandemia do novo coronavírus como uma infodemia. Quão poderosa é a infodemia em afetar o curso do vírus?
É realmente difícil calcular o impacto real pela simples razão de que é difícil calcular a própria pandemia. Mesmo por isso temos dificuldades como o índice de infecção. Portanto, é ainda mais difícil avaliar os fatores que contribuem para as mudanças.
Em agosto, houve uma publicação mostrando que cerca de 800 pessoas em todo o mundo morreram quase que diretamente por causa de desinformação por seguirem conselhos falsos de tratamento médico.
Essa foi a verdadeira ponta do iceberg. É claro que está muito diferente agora, porque isso foi em agosto, com dados provavelmente ainda mais antigos. Estamos falando de um número muito alto de pessoas que foram afetadas.
Você acha que poderia haver um antes e depois da Covid-19 nas redes sociais? É um ponto de inflexão para o mundo digital?
Não há dúvida de que acelerou coisas que já estavam acontecendo. Já era muito óbvio que a mídia social desempenhava um papel mais importante do que talvez a maioria das pessoas pensasse, porque parecia uma forma de entretenimento.
Agora, para muitas pessoas, é a única interação real, especialmente se você estiver em lockdown. Isso significa que, se uma informação viajar pelas redes sociais, ela terá vários impactos diferentes no futuro.
Por exemplo, quando as pessoas percebem a importância da mídia social para a desinformação, eu suspeito que haverá uma regulamentação pesada chegando.
Nas próximas semanas ou meses, diferentes plataformas de mídia social tentarão coisas diferentes. Isso é muito bom, porque algumas dessas medidas realmente funcionarão. Mas temos nossas dúvidas sobre até que ponto a plataforma de mídia social está fazendo algo. Então, como eu disse, eu esperaria regulamentações muito pesadas nos próximos anos.
Eunomia prefere dar o poder às pessoas.
A pandemia afetou ou reformulou a missão do Eunomia?
Não creio que tenha sido afetado negativamente em termos de produtividade. Pelo contrário, tivemos muito mais foco porque quando há uma ameaça muito clara para todos, há um ponto focal muito claro.
É mais fácil para as pessoas trabalharem juntas em prol de um objetivo comum. Também era mais fácil, se falarmos em um nível técnico, de mudar a interface do usuário, para torná-la algo que seria útil para as pessoas usarem contra a desinformação. Também acelerou a adoção. Há poucos meses, não planejávamos abri-lo publicamente, mas agora abrimos. Temos o segundo piloto planejado para as próximas semanas. Portanto, também acelerou os desenvolvimentos dentro do projeto.
Qual é a sua visão para o mundo das redes sociais nos próximos dez anos?
Expandiremos as redes sociais para áreas onde não a estamos usando atualmente. Por exemplo, dispositivos, máquinas ou sistemas começarão a fazer parte do ecossistema de mídia social. Imagino que o carro, por exemplo, torne-se mais um usuário das plataformas de mídia social.
Usaremos esse paradigma para comunicação que não tem nada a ver com mídia social, simplesmente porque é tão natural.