Que popularmente o estado de Minas Gerais é conhecido por seus vales e montes que guardam segredos, é sabido e cantado por poetas nativos e por muitos brasileiros.

Isso tem relação com algumas obras, digamos, desgarradas da principal rota artística da terra, o Barroco, tendo seu auge entre os séculos 17 e 18. Mais especificamente do maior expoente desse estilo, o Aleijadinho.

Nos últimos tempos, algumas obras de Antônio Francisco Lisboa brotam fora do caminho de Ouro Preto, Mariana e outras cidades tradicionais para aparecerem ali perto, mas que não estão no circuito histórico ou turístico oficial.

A mais recente descoberta pertence a uma escultura de São Francisco de Assis, localizada na cidade de Cipotânea, mais próxima a municípios como Barbacena e Conselheiro Lafaiete.

Certeza

A descoberta e atribuição final veio do Cecor (Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Trata-se de uma escultura imponente: o São Francisco de Aleijadinho mede 1,27 m e faz parte do acervo da Igreja de São Caetano, em Cipotânea.

Porém, o mineiro é desconfiado e de falar pouco: a população local já suspeitava de que a obra vinha do mestre do Barroco. Faltava o aval técnico e científico. Isso teve início em 2016, quando a imagem foi para o Cecor da UFMG.

Depois de muitos estudos, o órgão chegou à conclusão de que a peça foi produzida entre os anos de 1790 e 1792. E para ser ainda mais autêntico, o mestre escultor esteve na região, vivendo numa cidade perto de Cipotânea, denominada Rio Espera. Lisboa morou por um tempo em Rio Espera, enquanto trabalhava na Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto.

Deixada de lado

Antes desse importante resultado, a obra não ocupava lugar de destaque na Igreja de São Caetano: ela ficava no subsolo da residência paroquial. Após atestar a veracidade da obra feita por Aleijadinho, os moradores de Cipotânea a receberam com uma festa.

Celebrou-se uma missa e o São Francisco Penitente (como é mais conhecido) ganhou um espaço na igreja para ser venerado e adquirir função devocional.

Esse assunto não é novidade, uma vez que outra obra de Lisboa foi descoberta e confirmada pelo Cecor em Felixlândia, também no interior mineiro. É uma imagem de Nossa Senhora da Piedade, atestada como verdadeira há mais de dez anos.

Muito estudo

A imagem de 16 quilos foi submetida a vários processos para confirmar sua autenticidade. Alessandra Rosado é diretora do Cecor e descreveu que o São Francisco Penitente é uma imagem de vestir, utilizada para fazer procissões.

Os estudiosos se depararam com a dificuldade de que os pés e as mãos não são de autoria do mestre do Barroco. Sobrava apenas a análise da cabeça, pois a obra não é composta por um corpo esculpido ou por uma estrutura completa. É feita, de acordo com Alessandra, por blocos.

Desse modo, uma grande equipe foi montada com a participação de historiadores, restauradores e cientistas de conservação. No aspecto documental, as informações encontradas como o contexto da época, a passagem de Aleijadinho pela região e o período em que a imagem foi esculpida davam um sinal otimista para a comprovação.

Ao logo do tempo, a escultura sofreu algumas repinturas e Alessandra explicou que houve a necessidade de se fazer radiografias, descobrindo as camadas aplicadas na obra. Paralelo a isso, a equipe comparou o estilo aplicado na imagem com as características próprias dos trabalhos executados pelo Aleijadinho. Foram analisadas, por exemplo a maneira das mechas de cabelo, o formato do queixo, barba, orelhas e o lacrimal dos olhos.

A demora em reconhecer mais uma peça de Antônio Francisco Lisboa ocorreu por causa da pandemia do coronavírus. Quando a doença deu uma trégua, os estudos foram retomados e em Cipotânea, a comunidade se mobilizava para arranjar um espaço para essa nobre escultura.

Fio da meada

Os primeiros rumores acerca da autoria de Aleijadinho em relação à imagem surgiram no começo do distrito de São Caetano do Xopotó. Posteriormente, a localidade foi elevada à condição de paróquia em 1857, mudando seu nome para Cipotânea, em 1938.

Outra pista que rondava sobre São Francisco Penitente veio do procurador Marcos Paulo Miranda, o qual se dedica a estudar o acervo deixado por Aleijadinho. Quando ele viu a cabeça da imagem, percebeu que existiam traços do estilo do grande mestre do Barroco mineiro.

Consultado, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional) reconheceu os trabalhos do Cecor dizendo que “a atribuição de autoria de bens culturais produzidos em períodos remotos, especialmente antes do século 19, é uma tarefa complexa e requer um estudo aprofundado (...) e, desta forma, não cabe à autarquia, neste momento, confirmar ou refutar a autoria da obra, reconhecida pelo Cecor e sim reforçar seu apoio e parceria na realização dos trabalhos.”