Agora sim: o ato de chorar fica restrito às lágrimas nos olhos, já que o ritmo popular, surgido no final do século 19 e que encanta há gerações, entra para o seleto grupo de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

E a data não podia ser mais original: 29 de fevereiro, no ano bissexto de 2024. Foi o momento em que o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural decidiu, de maneira unânime, a inclusão dessa manifestação totalmente brasileira na lista do Patrimônio Cultural.

O Conselho é subordinado ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a feliz notícia não aconteceu de supetão.

Anteriormente, algumas entidades ligadas ao choro haviam entrado com pedido de reconhecimento do gênero musical. Entre elas, estão o Instituto Casa do Choro do Rio de Janeiro, o Clube do Choro de Santos (SP) e o Clube do Choro de Brasília, onde recentemente o ex-Beatles Paul McCartney fez uma apresentação surpresa para um público sortudo em vê-lo tão de perto.

Próximo passo

Depois do ato de reconhecimento, o choro estará nas páginas do Livro de Formas de Expressão do Iphan. Dentro dele, constam os registros de outros gêneros musicais como o frevo e o maracatu. Também está aí a roda de capoeira.

O presidente do Iphan, Leandro Grass, declarou que é importante a recuperação da cultura popular e a retomada no enaltecimento dessas expressões.

Para ele, o chorinho tem uma abrangência e capacidade para reconquistar o Brasil. Além disso, ele espera que o ritmo seja fundido, a ponto de chegar e ser ensinado ou interpretado nas escolas.

Por sua vez, o presidente do Clube do Choro de Brasília, Henrique Lima Santos Filho, ressalta em entrevista à Agência Brasil que o choro é a primeira expressão nacional.

Sendo assim, ele é anterior à criação e à expansão do samba. Ele destaca as influências vindas dos continentes europeu e africano na construção do ritmo, onde elas participam de um caldeirão, cujo produto final é audível, agradável e de conotação nostálgica.

No âmbito federal, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, elogiou a iniciativa e afirmou que o chorinho é algo lindo, um gênero musical muito amado pelos brasileiros.

Origens

Especialistas concordam que o choro é o gênero da Música mais autêntico e puro do Brasil. O Dicionário Cravo Albin, referência da música popular brasileira, aponta que o chorinho teria sido criado em 1870, na cidade do Rio de Janeiro.

Inicialmente era tocado em rodas ou grupos musicais localizados nos bairros do Catete, Andaraí, Cidade Nova, Tijuca, Estácio e em alguns pontos do Centro do Rio.

O conjunto tradicional é composto geralmente por instrumentos de corda, como o violão, o bandolim e o cavaquinho. Acompanham o pandeiro, na percussão, e o clarinete e a flauta, nos sopros.

Com relação ao motivo de batizar esse ritmo com a palavra que expressa uma emoção triste, a explicação está no modo de tocar melodias e músicas estrangeiras do fim do século 19.

Quem ouvia e gostava, dizia que essa interpretação era para fazer chorar.

A primeira melodia de que se tem notícia dentro do universo do choro é “Flor Amorosa”, de autoria do músico Joaquim Callado.

Não passando despercebida essa nova tendência, o Brasil viu grandes compositores criarem canções e partituras que perduram até hoje.

Os pioneiros do choro se concentram em Pixinguinha, Waldir Azevedo, Chiquinha Gonzaga, Jacob do Bandolim e Altamiro Carrilho. Nas gerações posteriores, os destaques ficam por conta de Paulinho de Viola, Fernando César, Hamílton de Holanda e o atual presidente do Clube do Choro de Brasília, Henrique Lima Santos Filho.

Afinal de contas, quem seguraria a emoção quando se ouvem joias musicais como “Carinhoso” (parceria de Pixinguinha e João de Barro) e o inconfundível “Brasileirinho” (de Waldir Azevedo)?

Por último e não menos importante informação técnica: o choro entra no Patrimônio Cultural Imaterial porque integra o conjunto de saberes que contribuem para identidade da cultura de um país. Já o Patrimônio Material se diferencia por tratar de bens tangíveis, constituídos por materiais (concreto, armações e vitrais, por exemplo), e que fazem parte de um momento histórico, de um povo ou de uma localidade.