Na contramão de praticamente todos os setores, o e-commerce, impulsionado pela necessidade do isolamento social, tem mostrando crescimento durante a crise provocada pelo novo coronavírus. Para o presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), Maurício Salvador, as empresas que aderirem ao digital sairão fortalecidas dessa pandemia.
Em entrevista exclusiva para a BlastingTalks, ele falou como os comerciantes estão reagindo a esses novos tempos e sobre o crescimento que o setor já apresentou nesses primeiros meses de 2020.
Blasting News: Como estão sendo esses novos tempos de isolamento social para a ABComm?
Maurício Salvador: É um período difícil. Todas as lojas virtuais estão passando pelas mesmas dificuldades que a população em geral, com os mesmos temores, só com uma característica diferente. Este é um setor que cresceu no período do confinamento e continua crescendo. Então o impacto econômico negativo nesse setor não chegou. Pelo contrário, as lojas virtuais estão vendendo cada vez mais. O crescimento acumulado no período se considerar os últimos dois meses, é de quase 50%. As pessoas por falta de opção, porque as lojas estão fechadas, o único canal que resta para elas poderem comprarem é o e-commerce.
Distanciamento social, bloqueios intermitentes e trabalho remoto: esta é, para muitos, a nova rotina em que nos adaptamos por causa da pandemia da COVID-19.
Nossas estruturas econômicas e sociais estão prontas para lidar com essas consequências?
Nenhum país estava preparado para essas mudanças. Estados Unidos, Europa, todos foram pegos de surpresa. Do ponto de vista social, nenhuma infraestrutura pública estava pronta para líder com isso. Mas o Brasil tem um problema maior, porque o Brasil não fez o dever de casa, ao contrário dos Estados Unidos, Europa e Ásia, que vêm preparando com infraestrutura hospitalar e qualificação de mão-de-obra.
Brasil perdeu um momento muito importante de investimento. A gente teve Copa do Mundo, teve Olímpiadas. Ao invés de investir em hospitais e escolas, o Brasil investiu em estádio de futebol e isso hoje parece uma piada de mau gosto de você ver que as pessoas estão tendo que ser internadas e atendidas em estádios de futebol. Então o Brasil não está preparado.
Do ponto de vista social, o impacto da segunda onda, que é a recessão, ele é muito preocupante, e é diretamente proporcional ao período que a economia está parada. A cada dia que a economia fica parada, o impacto social será maior ainda. Não existe uma estratégia de retomada, ao contrário da maioria dos países, e isso impacta de uma forma muito negativa nosso futuro. A confiança do empresariado vem caindo dia a dia, por falta dessa luz no fim do túnel, a confiança do consumidor também e isso acaba impactando diretamente no e-commerce.
Mas por outro lado o Brasil é um país já calejado por crises, onde os ciclos econômicos são muito curtos e isso acaba impactando na retomada do brasileiro. Se existe uma coisa positiva disso tudo é que o brasileiro sempre viveu um ciclo de crises, e essa, por mais forte que vá ser, vai ser mais uma crise no passaporte brasileiro.
Outro ponto positivo é a questão do digital. As empresas brasileiras, salvo exceções, vinham “dormindo” para esse meio digital. E a gente percebeu que realmente era certa preguiça de ir para o e-commerce, de ir para o digital e a Covid-19 veio como um tsunami para levar as empresas para o digital. Houve uma digitalização muito forte da economia brasileira, trabalho home-office e isso vai deixar um legado positivo que fica para a economia.
A COVID-19 também acelerou a transição para um mundo totalmente digital. Estávamos prontos para esta realidade?
A gente volta à questão da infraestrutura. A internet brasileira é a mais cara do mundo, e por outro lado é uma das internet que tem uma das piores qualidades do mundo.
A gente paga caro para um serviço ruim. A internet de fibra no Brasil o alcance dela é muito pequeno e o que o brasileiro usa realmente é internet de celular. Isso vem sendo um grande desafio, e muitas empresas que acabaram sendo prejudicadas no home-office. Eu tenho alguns colaboradores que moram em São Paulo, na capital, eles moram em algumas áreas que têm queda de energia constante, queda de internet constante. Então eles ficam algumas vezes algumas horas por dia sem energia elétrica, sem poder realizar o trabalho, então esse problema de infraestrutura impacta nessa digitalização.
E tem um pouco do cultural também. Nesse período de pandemia eu conversei com vários empresários e presidentes de associações de classes comerciais que ainda são resistentes ao digital, mesmo no período da pandemia.
Ainda vão existir pessoas que resistam a essa barreira, eu acho que essas vão ser as empresas que vão ser extintas. Fazendo uma comparação: caiu um meteoro e alguns serão extintos e outros vão conseguir evoluir e sobreviver. Esses que se digitalizaram, levaram sua força de trabalho para o home-office, levaram seus modelos de negócios para o home-office, eles vão sair mais fortes ainda dessa pandemia.
Esse será o legado da pandemia? Ou as empresas se adaptam ao e-commerce ou tendem a deixar de existir?
Eu acho que isso é um caminho sem volta. O digital já tá batendo à porta já algum tempo. No Brasil vem crescendo na casa de dois dígitos ano a ano, mesmo em períodos de crise. Há uma expectativa que essa pandemia ela possa ser cíclica.
Se essa uma empresa conseguiu escapar dessa primeira onda não se digitalizando, provavelmente na segunda onda o impacto será maior nela. Então isso será uma questão de sobrevivência.
No Brasil estamos a dois meses de isolamento social. Em quanto tempo o e-commerce avançou nesses dois meses em comparação ao período normal?
Eu não tenho esses cálculos, mas posso dar alguns números. A expectativa para todo o ano de 2020 era de três milhões de brasileiros que fariam sua a primeira compra online. Nas cinco primeiras semanas desse ano houve um milhão de brasileiros fazendo a primeira compra pela internet. Em oito semanas foi um milhão e meio de brasileiros. Ou seja, em dois meses foi metade do que a gente esperava de quem ia comprar.
Em termos de faturamento, a expectativa de crescimento para 2020 era de 18% em relação a ano passado. Só no período da quarentena, nesses dois meses, o crescimento foi de 47%. Se a gente fizesse um corte agora, em relação a crescimento, até junho o e-commerce cresceu o que era esperado crescer no ano inteiro.
Por outro lado, a gente não sabe o que vem por aí. Isso vai depender muito da confiança do consumidor, da retomada o quanto antes, do plano de retomada, uma reabertura dos locais de onde não tem casos. Tudo isso depende de um plano inteligente e orquestrado.
Uma crise nunca deve ser perdida, pois é uma oportunidade de tornar qualquer sistema um sistema melhor. Diante disso, o que vocês estão fazendo para reformular os negócios e torná-los ainda melhores nesses tempos sem precedentes?
Como associação a gente tem feito um trabalho muito forte de auxiliar essas novas empresas que estão entrando. Nesse período de dois meses houve uma entrada de 100 mil novas lojas virtuais no mercado. Esse média era de 20 mil por mês. Esses novos entrantes são, na maioria deles, microempresários que não sabem nem por onde começar.
Então a gente tem dando um auxílio, tem feito vários encontros de capacitações, distribuindo cursos gratuitos para esses novos entrantes aprenderem a montar um e-commerce, aprenderem a divulgar no Instagran, a divulgar no Facebook. Isso é muito importante. Cada boiazinha que a gente joga dessa ajuda ele a se segurar um pouco mais na superfície.
Em paralelo a gente feito trabalho muito forte de políticas públicas.
Estamos trabalho em um projeto de lei que está em tramite no Congresso para que as empresas possam vender pela internet e entregar os produtos em pontos comerciais diferentes. Isso é muito comum na Europa, você compra um produto e manda entregar em um posto de gasolina ou em um shopping. Isso no Brasil não pode por questões tributárias. Então a gente tem um projeto de lei em trâmite que estamos tentando aprovar em regime de urgência.
Temos feito um trabalho junto às secretarias de estado com relação a ICMS para ver se a gente consegue amenizar o pagamento de ICMS por algumas empresas que terão mais dificuldades de caixa nos próximos meses. Temos trabalhado junto ao Ministério da Economia para tentar facilitar o acesso a crédito para que crédito chegue aos micro e pequenos para que eles possam investir e contratar.
Tem todo um pano de fundo de política pública que precisa ser feito para o e-commerce continue crescendo e mantendo oportunidade. Tem muita vaga de emprego na área. Enquanto tem muita gente sendo demitida no mundo físico, no digital tem muita vaga aberta. Quem realmente se capacitar, quem aprender o que é o digital e usar o digital como ferramenta vai conseguir se recolocar rápido e bem.
Como foi a procura de novos comerciantes e qual foi a maior dificuldade deles em entrar no e-commerce?
A principal dificuldade foi com relação algumas decisões que têm que ser tomadas logo no início, como a escolha da plataforma. Tem muita opção disponível na hora de escolher a plataforma e eles acabam com muitas dívidas e essas dúvidas fazem com eles escolham coisas caras.
Pensam que o mais caro é o melhor, quando na verdade não é nesse momento. Nesse momento ele tem que escolher sistemas que sejam baratos e de fáceis entradas e fáceis de serem usados. Essa decisão de escolha da plataforma é muito difícil.
E aí surgem os oportunistas, que esfolam o empresário nesse momento. Cobram valores acima do mercado. Isso é muito triste, estamos identificando essas empresas, tentando evitar que essas empresas tenham mais exposição nesse momento.
A outra dificuldade é na hora de cadastrar os produtos. Se você pega uma loja de sapato, vai ser muito difícil para ele tirar uma foto de todos os sapatos que ele tem no estoque, fotos de qualidade, descrever o sapato, colocar preço, isso é trabalhoso. Mas é um trabalho que tem que ser feito de qualidade. Ninguém vai entrar em uma loja virtual e comprar um sapato se a foto está feita de qualquer jeito. Isso é uma barreira também.
E a terceira é que depois que está tudo pronto no ar é trazer visitante para sua loja. Isso que a gente tem gerado bastante conteúdo sobre redes sociais, como eles podem usar essas mídias atrair visitantes para o site com custo baixo.
Você pode nos dar alguns exemplos de como seu setor foi diretamente afetado pela pandemia e qual estratégia vocês estão utilizando para mitigar os efeitos?
No caso o setor foi afetado positivamente. A loja física fechou e as pessoas foram para o e-commerce. Queimou a geladeira, rasgou a roupa, ela não tem mais a loja da esquina para comprar, ela tem que comprar no e-commerce. Esse impacto foi positivo para o canal. Entraram 1 milhão e meio de novos consumidores em um curto período. Entraram 100 mil novas lojas virtuais nesse curto período. Esse é um legado que vai ficar para o e-commerce, que são empresas que mesmo passando a pandemia vão ficar no digital. Esse impacto no curto prazo foi positivo.
Agora no meio e no longo prazo, vindo a recessão, caindo a massa salarial, aumentando o desemprego, despencando a confiança do consumidor, isso vaio impactar na economia toda e o e-commerce também será impactado. Mas ainda assim a expectativa de crescimento é positiva.
Existe algum ponto que o senhor gostaria de destacar?
O que a gente tem orientado todas as empresas que vêm buscar informações na associação é que comecem da forma mais simples possível, com baixo custo. E é possível fazer isso. Não se iludam com o canto de sereia que fala paguem caro para ter o melhor. É igual você querer comprar uma Ferrari para andar em uma estrada de terra. Não precisa disso.
O risco vai ser muito menor se você fizer investimentos baixos inicialmente e é o que a gente tem visto que é o maior erro das empresas que estão entrando, que é fazer investimentos altos no início e depois não ter fôlego para sustentar.