Queixa de muitos pelo Mundo, a solidão não é problema para o único italiano que vive (ou viveu por 32 anos ininterruptos) numa ilha. Ao menos, para Mauro Morandi o coronavírus aparecia nos meios de comunicação de que se utilizava. Buscava sempre se informar do que rolava mundo afora.

Conhecido com a alcunha de “Robinson Crusoé italiano”, Mauro morava e cuidava da ilha localizada entre a Córsega e a Sardenha. Por anos – e especialmente nos últimos cinco anos – Morandi sofreu grandes pressões das autoridades marítimas da Itália para deixar sua habitação e buscar outra vivenda.

Descobridor por acaso

Ao contrário do que parece, a saga de Mauro Morandi começou em 1989, quando o seu catamarã teve uma pane em pleno mar. Com o motor quebrado, o movimento das marés levou a embarcação para perto da Ilha Budelli. Lá travou contato com o único funcionário que cuidava do pequeno pedaço de terra. Na conversa, o homem lhe disse que estava para se aposentar do cargo e o candidato a ermitão não pensou duas vezes: vendeu seu barco, decidiu morar na ilha e substituiu o antecessor nas funções.

Sua escolha voluntária terminou neste ano de 2021, depois de ficar 32 anos isolado na Ilha Budelli. Sua vida era proteger esse “paraíso”, receber e orientar todos os visitantes a fim de lhes alertar sobre a preservação do local e do meio ambiente como um todo.

A versão oficial

Do ponto de vista burocrático e territorial, a Ilha Budelli e mais seis ilhas estão contidas no Parque Nacional do Arquipélago Madalena. Porém, a morada de Mauro é considerada como a mais bela de todas por ter uma praia intitulada Spiaggia Rosa (Praia Rosa).

Nesta praia, as areias possuem uma tonalidade rósea originada dos fragmentos de corais e conchas gerados pela força das ondas.

Pelo seu exotismo, o governo italiano a classificou de “alto valor natural” e as visitas frequentes de turistas foram sumindo com o tempo. Hoje, parte da paisagem é aberta ao público.

O inferno de Mauro Morandi começou em 2016, quando a administração do parque contestou o direito do solitário em permanecer na ilha. Sabedores dessa sutil expulsão, o povo reagiu ao criar uma petição contrária à saída do protetor de Budelli.

Foram mais de 18 mil assinaturas e deu certo. Mauro poderia viver em paz e os políticos da região adiaram a ação de despejo. Isso não quer dizer que eles desistiram de retirá-lo de lá. Outras tentativas aconteceram.

Mas, no fim do mês passado, o próprio Mauro Morandi contou aos seus seguidores no Facebook que estava deixando a ilha.

Confissão

“Esperava morrer aqui, ser cremado e ter minhas cinzas jogadas ao vento”, revelou o eremita de 81 anos. Sua crença pessoal gira em torno de que toda vida volta para o planeta, sendo parte de uma mesma energia. Um pensamento similar ao dos filósofos estoicos da Grécia antiga, os quais criam num universo pulsando como um organismo vivo, indivisível, unificado e funcionando num fluxo eterno.

Mesmo não sendo fã de contatos com humanos, este homem sozinho tem como objetivo ensinar aos visitantes da Ilha Budelli sobre como proteger esse ecossistema: “Cuidar de uma planta é uma tarefa técnica – tento fazer as pessoas entenderem, a planta precisa viver. Gostaria que as pessoas entendessem que, para enxergar a beleza, não devemos olhar, mas senti-la de olhos fechados.”

Indagado sobre como era seu estilo de viver, Mauro Morandi afirma que os invernos na ilha são bonitos e solitários. Nesta estação do ano, contou que ficava com mais de 20 dias sem qualquer contato humano. O seu apoio era a introspecção.

Além de apreciar o barulho das ondas e dos ventos, ele passava seu tempo realizando atividades criativas.

Fazia esculturas com o material encontrado na ilha (tirando daí uns trocadinhos e vendendo aos turistas), lia e meditava sobre os preceitos e ensinamentos dos filósofos gregos e fotograva a maravilha que o circundava nos vários períodos do dia ou das estações do ano.

Atracando em outro porto

Apesar de sentir tristeza ao deixar sua casa natural que serviu até de refúgio durante a Segunda Guerra Mundial, o ex-ermitão disse que morará num apartamento “(...) na periferia da capital, então irei fazer compras lá e o resto do tempo será dedicado a mim”.

Centrado sobre sua própria pessoa, Morandi talvez seja um exemplo do que cientistas já escreveram sobre a solidão. Eles acham que com tantas coisas por fazer na ilha, a solidão seria um alimento para a criatividade.

Que o digam os artistas, poetas, pintores, filósofos e escritores! Foi nos estágios de isolamento e afastamento da sociedade que a humanidade conheceu obras-primas.

Deve ser verdade: o “aprendiz da alma” e Robinson Crusoé da Itália solta uma pérola da existência, quando menciona que “o amor é consequência absoluta da beleza e vice-versa. "Ao amar uma pessoa profundamente, vemos beleza nela, mas não beleza física... nos identificamos com ela, nos tornamos parte dela e ela se torna parte de nós. É da mesma forma com a Natureza”, concluiu.