Blackface não deveria ser opção para fantasias de Carnaval, a festa mais popular do país se aproxima, 25/02, e junto vêm as dúvidas sobre o que vestir ou como se fantasiar, os brasileiros estão em clima de festa, afinal, sempre dizemos que o ano só começa quando o período de folia acaba.
Blackface e apropriação cultural não podem ser considerados diversão ou brincadeira, é importante ter a consciência que “fantasias” que retratem determinado povo, como os negros, judeus, índios, asiáticos... Não é legal, não é engraçado, não é tradição, não é representatividade e muito menos homenagem.
Embora seja visto de maneira criticável e lastimável por uma parcela da população, o Blackface continua presente no Brasil assim como o racismo, preconceito e discriminação. Em pouco mais de 500 anos de história, contados após a colonização de Portugal, quase quatro séculos foram de escravidão da mão de obra africana. Desde o início da colonização, os não europeus foram considerados seres inferiores, ainda mais quando a cultura, os costumes e fisionomia eram confrontados.
A canção "Olhos coloridos" é considerada ícone para orgulho negro brasileiro, ela foi escrita há mais de 40 anos pelo compositor Macau, após ser preso injustamente. Ela é interpretada pela grandiosa Sandra de Sá, quem gravou a música no início dos anos 80, a letra ainda simboliza a vida atual da população negra.
O que é Blackface?
Surgido em 1830, em Nova York, nos Estados Unidos, o Blackface era usado para entreter o público majoritariamente branco, ridicularizando e diminuindo a população afrodescendente, minoria no país. Os artistas brancos pintavam o rosto, o cabelo e algumas partes do corpo com carvão de cortiça e tinta, já os olhos e lábios eram destacados em um excessivo tom de vermelho.
Os atores brancos se caracterizavam e representavam as pessoas negras de forma racista, estereotipada e deplorável, além de serem expressados como preguiçosos, alcoólatras, analfabetos, boçais... Inicialmente a prática se restringia ao teatro, a apresentação era uma espécie de show de entretenimento muito popular na época, uma vez que não era permitido aos negros e negras subirem aos palcos.
Em 1890 o Blackface já era comum em a toda a América do Norte, anos mais tarde seria estendido para o cinema e televisão, inclusive retratado em alguns desenhos animados muito populares no Brasil, como Pernalonga e Tom e Jerry, que tiverem alguns episódios proibidos.
O enfraquecimento do Blackface começou junto com a luta dos negros pelos direitos civis nos EUA, em menos de 1960, pois ainda no século XX era incomum atores negros receberem papéis principais, mesmo os personagens que necessitavam ter ascendência africana, a interpretação permanência sendo feita por atores brancos, o que impedia que as pessoas negras tivessem algum tipo de ascensão.
Blackface no Carnaval brasileiro
Em relação ao Blackface no Carnaval brasileiro, é costumeiro o homem branco se vestir de mulher negra, seja para imitação de doméstica, de retirante, favelada pobre ou a habitual “Nega Maluca” o racismo não se limita as fantasias da mesma forma há marchinhas preconceituosas, racistas e machistas.
Reforçar estereótipos negativos não colabora para uma sociedade igualitária e justa.
Respeitar as diversidades é uma luta que precisamos travar diariamente, em especial a população negra, para ter o seu valor reconhecido, sentir-se representada e segura para caminhar nas ruas sem receio de sofrer algum tipo de discriminação. A intolerância racial está presente do nosso dia a dia, apesar de estarmos 131 anos depois da libertação dos negros e negras escravizados.
Desigualdade racial e social fortalecem Blackface?
Em 2015 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, PNAD, revelou que no seleto grupo do 1% mais rico dos brasileiros, negros e pardos representavam somente 17,8%. A má distribuição de renda no país colabora para uma minoria privilegiada, o país vive as discrepâncias deixadas ao longo de toda história como o racismo institucional e estrutural.
De acordo com a pedagoga Nilma Lino Gomes e o antropólogo kabengele Munanga no livro "O Negro no Brasil de Hoje", 2006, “essa desigualdade é fruto da estrutura racista, somada à exclusão social e à desigualdade socioeconômica, que atinge toda a população brasileira, de modo particular, os negros”.
Os homens negros e mulheres negras contribuíram para a construção do país e vêm lutando desde que chegaram em terras tupiniquins, porém permanecem sem as mesmas oportunidades que o restante da população.
Em 2017 a PNAD, apontou que o salário do trabalhador é desigual entre os brasileiros sendo a média para negros R$ 1.570, para pardos R$ 1.606 e para brancos R$ 2.814. Em se tratando dos índices da educação divulgados em 2016, também pela PNAD Contínua, mostram que o analfabetismo é duas vezes maior entre negros e pardos, 9,9%, comparado com a taxa de analfabetismo entre os brancos, 4,2%.
Por que Blackface não deveria ser fantasia?
Ao praticar Blackface estamos minimizando e descaracterizando toda uma luta de um povo que tanto contribuiu para a construção do país. Conforme o Altas da Violência 2018, análise elaborada pelo Ipea junto ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o homicídio de negros foi mais que o dobro aos de não negros, já em relação ao assassinato de mulheres, das mulheres negras foi 71% maior à de mulheres não negras.
O estudo ainda revela que durante uma década, 2006 e 2016, o número de assassinato de negros aumentou 23,1%, enquanto o número de assassinatos de não negros diminuiu 6,8%. Pessoas negras estão morrendo diariamente, simplesmente pela cor da sua pele, portanto quando chega o Carnaval, festa mais popular brasileira, e o Blackface aparece significa que estamos falhando como sociedade.
Blackface: O que estão dizendo nas redes sociais?
Não, @henrybugalho, blackface não é apropriação cultural. Não é característica dos povos africanos serem burros. O blackface é uma prática que surgiu com o objetivo de mostrar que negros eram intelectualmente inferiores aos brancos.+
— Afroestima (@maurobaracho1) February 19, 2020