Considerado por muitos uma obra-prima do cineasta britânico Alfred Hitchcock, o clássico "A Janela Indiscreta" (1954), que foi adicionado em 1997 ao National Film Registry na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos por ser "culturalmente, historicamente ou esteticamente significativo", ganha atualmente mais uma razão para ser considerado isso tudo.

Como esse clássico do cinema apresenta uma situação tão apropriada para os dias de hoje?

"A Janela Indiscreta", lançado em 1954 pela Paramount Pictures, estrelando James Stewart, Grace Kelly, Wendell Corey e outros consagrados atores de Hollywood, foi escrito por John Michael Hayes, baseado no conto "It Had To Be Murder" ("Tinha De Ser Assassinato"), de 1942, e tem grande relevância atualmente, considerando que, por conta da pandemia, todos nos tornamos meros espectadores do mundo lá fora, como é Jeff, o protagonista do filme.

O fotógrafo, por trabalho e paixão, é nossa única perspectiva do que se passa em seu ambiente, já que por conta de um acidente de profissão, Jeff fica refém de uma cadeira de rodas, com sua perna imobilizada por pelo menos 9 semanas.

Pense que o único ponto de vista que nos é apresentado é o de Jeff, observador passivo de tudo que acontece do lado de fora de sua grande janela, que dá para um aglomerado de pátios cercado por prédios. Ali, ele pode observar claramente as ações de seus vizinhos e perceber traços específicos de cada um.

Dessa forma, partindo do que o protagonista vê, começamos a compreender o funcionamento dessa microssociedade e a relação dos indivíduos com o espaço e com os demais seres que o habitam.

O início de um conflito

Sem pretensão, Jeff começa a se interessar pela rotina de seus vizinhos e é cautelosamente percebido por sua cuidadora, Stella, que o avisa dos perigos de bisbilhotar a vida de terceiros, um ponto clássico do gênero, a sabedoria de uma personagem mais experiente.

Entretanto, na situação em que está, ele expressa apenas a nobre vontade de voltar às atividades rotineiras e poder exercer seu trabalho nas ruas.

Há, nesse momento, uma ressignificação do cotidiano, que não é papel secundário nessa história, nem fora da ficção, aliás, é fundamental em qualquer meio que haja a interação entre seres humanos.

Vemos os acontecimentos a partir de uma grande janela no bairro de Greenwich Village, em Nova York. Sendo assim, imagine quantas janelas poderiam servir como o ponto de vista principal na megalópole.

Infinitas opções. Agora pense em quantas janelas serviriam como plano de fundo dessa mesma história em 2020, apenas com um contexto diferente. E o que afetaria o filme em ter outra janela como fonte de sua perspectiva principal?

Poderia ser arriscado dizer que seria uma narrativa completamente diferente, muito provavelmente. Por se tratar do ponto de vista de um outro indivíduo, não seria um suspense, mas sim um filme de terror, como tem se mostrado para muitos a situação mundial no ano passado e começo desse ano, ou até poderia ser um drama/thriller psicológico com a esperança de um final feliz, já que a leitura do que acontece à nossa volta é um fator extremamente pessoal, sem nunca anular os fatos.

A valorização do cotidiano acontece lado a lado com a possibilidade de toda a história ser mera criação da cabeça de Jeff, o que nos gera dúvidas a respeito da veracidade dos acontecimentos que são observados.

Assim, o confinamento nos coloca como voyeurs, e Hitchcock mostra o preço de espionar a vida alheia e tirar conclusões precipitadas, utilizando de uma crescente tensão na narrativa. Como é mostrado na cena mais tensa do filme, onde o protagonista é confrontado por Lars Thorwald, o suspeito de assassinar a própria esposa. Jeff luta por medo e um instinto de sobrevivência, usando os recursos que tem, sendo o flash de sua câmera grande aliado nesse momento para atrasar os movimentos do suposto "assassino" e evitar uma tragédia.

Isso faz lembrar sem dúvidas da situação que o mundo tem enfrentado com a pandemia. O elemento por trás do grande conflito em "A Janela Indiscreta" é a solidão, o confinamento, o voyeurismo, as conclusões precipitadas e, por fim, a enorme vontade do nosso protagonista de retornar à normalidade. E acredito que, com isso, todos podem se identificar.

Sendo assim, um filme de 1954, considerado um clássico eterno do cinema, mostra-se mais atual do que se pode prever, relatando uma situação na qual grande parte da população hoje pode se reconhecer.

Seu fim é tão incerto quanto a realidade. Como Thorwald pode retornar para "acertar as contas", a pandemia também deixará sequelas irreparáveis em todos que sobreviverem a ela.

Lembrando que Jeff quase não passou vivo pelo perigoso teste da solidão, do confinamento, das poucas visitas e do fato de ser privado daquilo que mais amava fazer, assim como sua imaginação também não ajudou.

Dessa forma, a junção de cada elemento da narrativa e cenário do filme "A Janela Indiscreta", de Alfred Hitchcock, é feita com muita cautela e pode ajudar a tirar conclusões gerais e pessoais a respeito da história, o que é, sobretudo, a beleza desse filme e mais uma semelhança com o cenário atual.