De fato, a legalização do aborto (ou as suas discussões) sofreu um curioso revés nesta semana. Em suma, na sexta-feira (24) a Suprema Corte norte-americana foi responsável por um feito inédito. Ela simplesmente fez cair por terra a decisão conhecida como “Roe x Wade” ou “Planned Parenthood v. Casey”.

Em resumo, no ano de 1969, Norman McCorvey, utilizando-se do pseudônimo “Jane Roe”, abalou as estruturas do conservadorismo norte-americano. Resumidamente, numa batalha contra o promotor público Henry Wade ela, além do direito a abortar, ainda praticamente impôs a legalização do aborto nos EUA.

A princípio, com apenas 22 anos, a moradora do condado de Dallas, no Texas, conseguiu, inicialmente, uma façanha improvável. Com efeito, ela conseguiu alterar a legislação do Governo (ou do Estado) norte-americano que só permitia o aborto em caso de riscos à vida da mulher.

Em suma, já com 2 filhos e uma vida desregrada, ela decidiu alegar, falsamente, que havia sido violentada. O objetivo era entrar com uma ação na justiça pleiteando o direito de interromper a gravidez também por esse motivo.

A princípio, ela não teve êxito e foi obrigada a dar à luz. No entanto, a sua apelação à Suprema Corte Americana acabou surtindo efeito 4 anos depois, numa decisão simplesmente inédita.

Em síntese, os magistrados decidiram, por 6 a 3, que o seu direito ao aborto estava de acordo com o direito à privacidade consagrado na Constituição.

Ou seja, a possibilidade de uma mulher abortar, quando quisesse, não representava nenhuma violação ao texto da Constituição do país.

Mas como essa nova decisão pode mexer com as discussões sobre a legalização do aborto?

A partir da conquista de Jane Roe, toda mulher norte-americana passou a ter o direito de abortar durante os primeiros 90 dias de gestação por quaisquer motivos.

Como contrapartida, após os 90 dias, os estados passaram a ter o direito de proibi-lo ou não, de acordo com cada caso. E o aborto em quaisquer períodos da gravidez continuou a valer nos casos de riscos à vida da gestante.

No entanto, em recente decisão de um caso ocorrido no estado do Mississipi, a Suprema Corte trouxe uma nova polêmica sobre essa legalização do aborto.

Em resumo, ela decidiu proibir a prática logo que o feto completasse o 15ª dia de vida. Desse modo, como resultado, a Corte acabou por anular, de vez, a espécie de jurisprudência que havia sido formada pelo caso Roe x Wade.

Em conclusão, o juiz que proferiu a sentença, o magistrado Samuel Alito, foi taxativo. Segundo ele, nunca houve nada na Constituição norte-americana que garantisse esse direito ao aborto em razão de estupro, e por isso o revogava.

Ainda de acordo com o magistrado, a decisão da época fora tão somente o resultado de uma má interpretação da Carta, o que significa que a legalização do aborto no país não tem qualquer amparo constitucional.

E como fica a legalização do aborto nos EUA?

Em suma, com base nessa decisão, agora cada estado norte-americano volta a ter o direito de proibir o aborto, independentemente das razões da gestação.

Desse modo, estados como Tenesse, Wyoming, Texas e Carolina do Sul já se dizem convictos de que voltarão a proibi-lo. Por outro lado, os estados menos conservadores, como Michigan, Nova Jersey, Califórnia e Novo México, não veem a hora de liberá-lo.

Ademais, o ministro John Roberts, presidente da Corte, apesar de ter sido favorável à derrubada da lei, fez duras críticas à decisão. Segundo ele, o que houve foi uma extrapolação do que pedia o caso de Mississipi. Com efeito, não havia nada no pedido que pudesse levar a essa inédita derrubada do direito ao aborto no país.

Por seu turno, o ministro Stephen Breyer, que votou com a minoria, afirmou que a derrubada apenas reflete a atual tendência conservadora da Suprema Corte norte-americana. De fato, agora eles tiveram a oportunidade perfeita para reverter uma lei que, no fundo, sempre desprezaram.

A legalização do aborto no mundo

Paralelamente a isso, com a chamada “americanização” do Direito Processual no Brasil, o caso já sinaliza visíveis influências por aqui e também no mundo.

Com efeito, o Direito norte-americano há muito vem sendo utilizado como modelo em várias sociedades. E se, a partir dessa decisão, os estados norte-americanos poderão voltar a proibir o aborto até mesmo em casos de estupro, acende-se um sinal de alerta.

No Brasil o aborto é permitido, entre outras razões, nos casos de estupro. No entanto, com essa nova jurisprudência, muitos conservadores já vislumbram a possibilidade de agora poderem, finalmente, proibi-lo.

No entanto, o que se sabe mesmo é que tal decisão da Suprema Corte norte-americana vem agitando o mundo jurídico de forma inquestionável. Só restando mesmo é aguardar por novos e curiosos episódios de um dos eventos mais singulares e inusitados da esfera jurídica internacional nos últimos anos.