Um casal de São Paulo foi condenado pelo Tribunal de Justiça (TJSP) a pagar uma indenização de R$ 150 mil a um garoto após devolvê-lo para adoção. O garoto já vivia com o casal há mais de um ano. O valor corresponde a danos morais. As informações são da BBC News Brasil.

Adoção

O casal Márcia (médica) e Luiz (polícial militar) moram no interior de São Paulo. No ano de 2013, o casal recebeu parecer favorável da Justiça e, em seguida, foi integrado no Cadastro Nacional de Adoção. Apesar de terem um filho biológico, a vontade de ampliar a família prevalecia, e decidiram adotar uma criança.

Márcia e Luiz iniciaram assim a jornada em busca de um novo filho. O garoto César, de apenas 5 anos na época, residia em um orfanatoa após seus pais biológicos terem perdido sua guarda.

O casal teve o primeiro contato com o pequeno César no abrigo. O garoto tinha idade próxima ao filho biológico do casal, e os laços entre eles foram se intensificando aos poucos, até que no ano de 2015 o garoto iniciou o processo de adaptação e convivência com sua nova família.

Em dezembro do mesmo ano, o casal conseguiu a guarda definitiva de César. De acordo com a Justiça, laços afetivos haviam sido criados. No ano de 2016, a adoção foi finalmente concretizada.

Exatamente um ano após a adoção legal, em junho de 2017, o casal, Márcia e Luiz decidiu devolver o garoto, afirmando que fez todo o possível para uma boa convivência e que deu educação, saúde e lazer ao garoto por todo o período.

O casal afirma que, mesmo tratando o garoto com muita atenção e afeto, não teve sucesso na parte comportamental, e que as dificuldades em relação aos comportamentos de César foram aumentando, dificultando a convivência familiar.

Márcia e Luiz afirmam que o garoto César tinha o hábito de mentir, apresentava desinteresse nas atividades escolares, tinha pânico de chuva, grande dificuldade em cumprir regras, relaxado com seus pertences pessoais, entre outros.

Esses comportamentos acabaram impedindo que os laços afetivos se firmassem entre eles.

Na fase de devolução, o casal estava convicto da decisão e ficar com o garoto não era mais uma possibilidade. Diante das circunstâncias, a Justiça acolheu o pedido e encaminhou César aos cuidados de uma guardiã.

Ministério Público

Após a devolução do menino César, o Ministério Público ajuizou um processo de danos morais contra o casal na Vara da Infância e Juventude.

A ação solicitava que os pais adotivos arcassem com os prejuízos psicológicos causados ao menino após o abandono. César chegou a morar com a família por 1 ano e nove meses.

O MP afirma que César recebia um tratamento diferenciado por parte dos pais em relação ao seu irmão, filho biológico do casal. Márcia e Luiz negam, afirmando que ambos recebiam o mesmo tratamento.

Entre as informações do MP, César foi penalizado por seus problemas comportamentais perdendo as atividades extracurriculares. O menino também foi retirado de uma escola particular e matriculado em uma escola municipal, e também que a família teria viajado para Disney deixando César no Brasil com uma cuidadora. O casal confirma a viagem e diz que mesmo com o passaporte do menino pronto, ele foi deixado no país como forma de repreensão por seus comportamentos.

De acordo com o MP, Márcia também medicou o garoto com remédios controlados (ritalina e respiderona), sem indicação de um neurologista ou psiquiatra infantil, ela tomou a decisão baseada em seus conhecimentos médicos. A conduta da médica está sendo avaliada pelo Conselho Regional de Medicina (CRM).

Penalidade

A desembargadora Marcia Dalla Déa Barone, do TJSP, também relatora do caso, afirma que a conduta do casal mostra que César foi tratado de forma diferenciada no núcleo familiar, e que eles não se importaram com a questão emocional e os danos que isso poderia causar a criança.

Barone acredita que o casal alimentou uma expectativa no período da adoção, porém crianças vindas de abrigo e famílias problemáticas geralmente carregam com si grandes mágoas, muitos traumas e humilhações.

Desta forma, pais adotivos devem ser capazes de compreender as necessidades e limitações destas crianças.

A devolução causou sentimentos difíceis no garoto, mesmo depois de meses após ser devolvido, César ainda sofria ao falar dos pais. Durante férias de verão César chegou a entrar em uma viatura alegando que estava procurando o pai.

Condenação

No julgamento em primeira instância, foi definido que o casal deveria pagar R$ 150 mil por danos morais ao garoto. Márcia e Luiz recorreram da decisão judicial, porém em março deste ano o TJSP manteve a condenação.

A defesa do casal recorreu novamente na tentativa de diminuir o valor definido, que foi estabelecido com base em sua situação financeira e gastos com viagens e lazer.

Nesta quinta-feira (2) mais uma vez o casal perdeu a ação judicial, e o valor de R$ 150 mil foi mantido. O advogado de defesa Ivelson Salotto informou que irá recorrer aos tribunais superiores para tentar reverter a condenação do casal.