Aquela imagem bonita de uma garrafa de vinho adornando a mesa, juntamente com taças e o som típico da rolha saindo do gargalo perdeu um pouco de seu charme a partir do fim de fevereiro.
Três das mais tradicionais vinícolas do Rio Grande do Sul foram denunciadas por condições degradantes e promoção de trabalho escravo. Elas mantinham em regime de cárcere privado, 207 trabalhadores que moravam em um alojamento situado na cidade de Bento Gonçalves. Todos eles eram terceirizados e, conforme depoimentos registrados no Ministério do Trabalho e Emprego, viviam sob ameaça e violência.
Tudo começou quando três trabalhadores conseguiram fugir do alojamento e buscaram uma delegacia. Eles relataram o uso de choques elétricos e spray de pimenta nas torturas. Posteriormente, outros trabalhadores interrogados confirmaram os relatos dos primeiros denunciantes.
O caldo entornou
As vinícolas Garibaldi, Aurora e Salton estabeleceram contrato com a fornecedora de mão de obra Fênix, pertencente ao empresário Pedro Augusto de Oliveira Santana. Logo que o escândalo estourou, ele foi preso. Porém, foi solto pouco tempo depois. Não é a primeira vez que seu nome é incluído em casos de escravidão.
Ele responde por outra ação relativa ao ano de 2021 que tramita na Justiça do Trabalho. O caso ainda não foi julgado.
Segundo depoimento dos trabalhadores das vinícolas, a jornada variava entre 12 e 16 horas por dia e as acomodações não tinham condições dignas de moradia.
Servido à mesa
Na última quinta-feira (9), as vinícolas envolvidas assinaram um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho. O acordo estabelece o pagamento de R$ 7 milhões, divididos desta forma: R$ 2 milhões serão destinados para as indenizações dos 207 trabalhadores por danos morais; os outros R$ 5 milhões serão revertidos para entidades, projetos e fundos que combatem esse tipo de prática trabalhista e outras causas sociais.
Caberá ao Ministério Público do Trabalho definir quais serão as instituições beneficiadas em lista a ser divulgada pelo órgão.
Dentro do Termo foi incluída a previsão de que cada um dos prejudicados tenha a opção de entrar com ação individual contra todas as empresas citadas.
No início de março, a Justiça ordenou o bloqueio dos bens de Pedro Augusto, estimado em R$ 3 milhões.
A medida tem como objetivo garantir o pagamento das indenizações e de todos os outros direitos dos empregados terceirizados.
As vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi pagarão, em média, cerca de R$ 9.600 a cada funcionário lesado.
Agora o andamento está concentrado no recebimento da lista final dos nomes dos trabalhadores por parte do Ministério Público. Depois, procede-se à etapa do rateio e o depósito dos valores.
Prazo maturado
Depois da entrega da lista, as produtoras de vinho terão até 15 dias para indenizar os trabalhadores. Se isto não acontecer, o Termo de Ajuste prevê uma multa de 30% sobre os valores, acrescidos de 1% de juros ao mês pelo atraso.
A Fênix já providenciou o pagamento das rescisões, totalizando um valor superior a R$ 1,1 milhão.
Existem alguns funcionários que não receberam os valores por causa de irregularidades verificadas no CPF ou em outros documentos de identificação. Para estes casos, é preciso que antes haja a regularização.
Outro detalhe que consta no Termo de Ajuste está em 21 obrigações que as vinícolas concordaram em cumprir. Entre elas, uma série de itens do que se pode fazer ou não se pode fazer, colocando mais foco nos processos internos das empresas. Também aceitaram a fiscalização das condições de trabalho e da garantia de que todos os funcionários (próprios ou terceirizados) recebam os seus direitos previstos em Lei. Por fim, o documento assinado prevê que novas situações semelhantes não ocorram daqui em diante.
De todos os envolvidos, apenas a Fênix se recusou a assinar o acordo.
Com o temor de ver suas imagens arranhadas perante o mercado, cada vinícola soltou uma nota, cujo conteúdo versa sobre pedido de desculpas às vítimas e a suspensão do contrato com a Fênix.