A presidente do Instituto Questão de Ciência, a microbiologista Natalia Pasternak, acredita que as pessoas não precisam ser exatamente especialistas em método científico para poder entender a diferença entre um estudo confiável de outro com resultados duvidosos. A especialista, em entrevista ao site BBC News Brasil, deu dicas valiosas para quem deseja entender mais sobre o assunto.
A microbiologista foi convidada para a CPI da Covid no Senado para justamente explicar aos senadores essa diferença. A cientista foi ouvida em uma sessão no dia 11 de junho em que contextualizou como as pesquisas são realizadas, quais são os resultados que merecem confiança e como é construído o consenso científico.
Porém, com todas as explicações dadas por Pasternak, os parlamentares continuaram a citar estudos controversos e com graves falhas, principalmente quando o assunto tratado era o tratamento precoce da Covid-19 e a utilização de medicamentos como a ivermectina e a hidroxicloroquina, que não têm eficácia científica comprovada contra o Sars-Cov-2.
Esse tem sido o ponto principal nos debates entre os integrantes da comissão, não raro, alguém cita um determinado estudo enquanto outra pessoa comenta uma outra pesquisa com resultados totalmente diferentes, o que acaba por confundir quem assiste aos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito. A microbiologista explica que a primeira etapa para não ser enganado é entender o que é um estudo observacional.
Primeiro passo
São comuns relatos que dão conta que em determinada localidade que usou o remédio A, B ou C as mortes pelo coronavírus caíram drasticamente. Na CPI, são comuns as referências a locais como Porto Feliz (SP), Porto Seguro (BA) ou Rancho Queimado (SC), que são citados como casos bem sucedidos no combate ao coronavírus por supostamente terem feito uso do “kit covid” nas pessoas com Covid-19.
A especialista explica que estes exemplos são cheios de armadilhas e que não possuem muito valor científico. Eles se enquadram nos chamados estudos observacionais, que são trabalhos em que os cientistas observam o que ocorreu com determinado grupo de pessoas depois de uma infecção. Em muitas ocasiões, como parece que é o caso das três cidades citadas, as análises também não consideram toda a realidade e chegam até mesmo a omitir números, fatos ou a real situação da pandemia.
Para uma melhor compreensão do conceito, a BBC News Brasil propõe a seguinte situação hipotética: a prefeitura de São Paulo instalou aparelhos de musculação em uma praça em um bairro da zona leste da cidade. Depois de alguns meses, o posto de saúde da região começa a ver que os moradores da localidade perderam peso apresentaram casos de pressão arterial mais baixa e ainda tiveram redução nos níveis de colesterol.
Um estudo observacional poderia dizer que os dois eventos – a chegada dos novos equipamentos de ginástica e a melhora nos indicadores de saúde – poderiam estar relacionados. Mas nem sempre a relação causa e efeito é 100% confiável.
Outras coisas poderiam ter influenciado nas alterações da saúde das pessoas do exemplo, como o cancelamento de uma linha de ônibus que poderia ter feito com que os moradores daquela região tivessem que caminhar um pouco mais, ou ainda o falecimento de alguém famoso por ataque cardíaco que fez com que as pessoas se preocupassem e passassem a cuidar mais da saúde.
Ainda que os estudos observacionais sejam válidos, eles não levam a conclusões, o que acontece, na realidade, é que eles levantam questões, que poderão ser esclarecidas por outras modalidades de pesquisa, concluiu o site.
De acordo com o que foi explicado anteriormente, o que houve em Porto Feliz, Porto Seguro ou Rancho Queimado não deveria ser usado como justificativa para defender o uso de determinado remédio. Ao mesmo tempo em que foi estimulada a prescrição de um remédio para os cidadãos daquelas cidades, essas mesmas localidades podem, por exemplo, terem feito um lockdown mais rigoroso ou ainda terem uma população mais jovem e mais resistente aos efeitos da Covid-19. Uma outra coisa que se deve levar em consideração é que, na maior parte dos casos de pessoas infectadas pelo coronavírus, essas pessoas melhoram depois de algum tempo, não importando qual foi o remédio tomado.