Ator, compositor, cantor, contador de histórias e, quem sabe, até mais. Rolando Boldrin só estava focado numa única coisa: a cultura do interior do Brasil, o regionalismo, o linguajar errado e próprio do caipira, os elementos da terra, as raízes autênticas do campo.

Seu trem parou na estação final na última quarta-feira (9) –mesma imagem que pode se aplicar à sua cidade natal, São Joaquim da Barra, localizada no estado de São Paulo. Lá também tem uma estação ferroviária que, por coincidência, se transformou em espaço cultural.

Rolando Boldrin chegou aos 86 anos para seguir o que costumava falar: “Todo mundo viaja fora do combinado”.

Recebeu as condolências do público na Assembleia Legislativa de São Paulo e, depois, viajou em definitivo, no dia seguinte, para o cemitério Gethsêmani, no bairro do Morumbi.

Último piado

O artista estava afastado das funções há 2 meses e a causa oficial da morte foi insuficiência cardíaca e renal.

Parceira profissional e esposa há 18 anos, Patrícia Boldrin disse durante o velório que Rolando sabia que estava partindo. Porém, ele comentou que estava indo dentro do combinado. Terminou lhe dizendo que tinha cumprido com tudo.

Ela lembra que Rolando Boldrin tinha muita responsabilidade com o trabalho, pois encarava esse lado com muito afinco e dava muita importância.

Patrícia relembra que a ‘transição’ foi de muita tranquilidade e lucidez porque o próprio esposo havia dito que “estava voltando para casa”.

Ela foi seu grande braço direito, pois cuidava de Rolando tanto na parte pessoal como na parte profissional.

Seu programa “Sr. Brasil” foi ao ar pela TV Cultura por 17 anos e, em nota, o canal de televisão destacou que Boldrin “tirou o Brasil da gaveta”. A exaltação da cultura regional e interiorana não se limitava à apresentação de cantores e músicos no palco.

O cenário de “Sr. Brasil” também valorizava os artesãos especializados nos mais variados ofícios como a escultura e a cerâmica.

Voltando um ‘tiquinho’

Antes de ser ator, Rolando Boltrin fez trabalho de garçom, sapateiro, carregador e figurante de televisão. Nos anos 60, participou de um festival de Música. Na década seguinte, vê sua carreira de ator decolar.

Fez papéis em novelas como “Os Imigrantes”, “O Direito de Nascer”, “Roda de Fogo” e “As Pupilas do Senhor Reitor”. Não chegou a abandonar a música, pois em 1974 lança um disco denominado “O Cantadô”, mostrando uma influência mesclada do ritmo sertanejo com a MPB.

Mas, foi em 1981 que ganhou popularidade e projeção ao apresentar o programa “Som Brasil” nas manhãs de domingo da Rede Globo. É justamente aí que se conhece as facetas de Rolando Boldrin: cantava, recebia convidados, contava histórias, dançava e mostrava as coisas simples do interior brasileiro.

Foi nessa época que ele revelou Almir Sater; além disso, o “Som Brasil” ofereceu um espaço fixo para Ranchinho, o qual fez dupla com Alvarenga nos tempos do rádio.

Outra dupla que obteve reconhecimento dentro do mesmo programa foi Pena Branca e Xavantinho. Boldrin, inclusive, chegou a produzir um disco deles.

Após sair do “Som Brasil”, Rolando Boldrin apresentou programas na mesma linha de difusão da cultura regional nas TV´s Bandeirantes e SBT.

Ele também apareceu nas telas de cinema em produções como “Doramundo” e “O Filme de Minha Vida”. Dedicou 60 anos de sua vida para a música, onde compôs 174 obras de variados estilos.

Coisinha rápida

Rolando Boldrin era o sétimo de uma família de 12 filhos e sua defesa pela cultura rural vem de há muito tempo. Sempre se identificou com a originalidade e a tradição caipiras, o que coincide com a trajetória de outra grande figura da área, Inezita Barroso, morta em 2015.

Dava espaço para cantores como Renato Teixeira, Almir Sater e Elomar. Porém, fechava a “porteira” para os sertanejos de apelo mais popular como Chitãozinho e Xororó, Milionário e Zé Rico, Trio Parada Dura e Matogrosso e Mathias.

Seu apego às raízes era tão forte que Boldrin barrou certa vez a vinda de Sérgio Reis ao seu programa porque achava que o cantor usava um chapéu típico texano. Entretanto, não chegou a ser radical e até aceitava a vinda de nomes da MPB como Mílton Nascimento, Quarteto em Cy e Fafá de Belém. Só não gostava de instrumentos eletrônicos, pedais e sons metálicos e distorcidos vindos das guitarras.

Boldrin recebeu as honrarias de cidadão paulistano e carioca, além de ter sido a personalidade do ano.

A prosa tá boa, mas o sol se pôs e é hora de fechar a porteira; só não vai ter o dedo de prosa costumeiro de domingo pela manhã. Porque o compadre Boldrin já tinha combinado outro compromisso.