A história mundial e contemporânea não nega que italianos e alemães lutaram do mesmo lado durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas um episódio curioso foi revelado no início de julho de 2021 e prova que o ditado popular “amigos, amigos; negócios à parte” tem muita lógica.
Voltemos ao ano de 1944, quando as tropas alemãs recebem ordens expressas de Adolf Hitler para roubar a ossada do maior poeta da língua italiana: Dante Alighieri.
Sepultado na cidade de Ravena, o plano insólito e absurdo do Terceiro Reich era que Dante mudasse de morada para Berlim.
Era lá que seria construído um grande mausoléu, desenhado pelo arquiteto alemão Albert Speer.
Na concepção de Hitler, figuras proeminentes da literatura universal como Miguel de Cervantes, Émile Zola, Leon Tolstói, Molière e, claro, Dante Alighieri, deveriam repousar num local digno da apregoada “raça ariana”, daí o motivo da construção do referido mausoléu.
Deu errado
A sorte dos italianos sorriu quando a espionagem norte-americana os alertou quanto às intenções escusas e malucas do dirigente da Alemanha. Sabedores da violação da tumba de Dante, um padre e um zelador que cuidavam do local destinado ao poeta italiano trocaram seus restos mortais pela ossada de um desconhecido na noite de 22 para 23 de março de 1944.
Por sua vez, os alemães se contentaram em executar o plano conforme demandado. No entanto, os soldados nazistas carregaram os restos de outra pessoa. Enquanto isso, os ossos de Dante eram escondidos e preservados não muito longe da cripta.
Enredo cinematográfico
Por causa da comemoração dos 700 anos da morte de Dante Alighieri, autor do famoso livro “A Divina Comédia”, essa história foi revelada por Sérgio Roncucci, hoje com 87 anos.
Com todos os ingredientes propícios para um filme de cinema, Sérgio relembra: “eu ainda era criança, mas a guerra me fez amadurecer rápido. Meu irmão fazia parte da resistência e foi avisado pelos americanos que os nazistas estavam chegando. Meu pai e o padre desenterraram o corpo de um desconhecido no cemitério e colocaram seus ossos na urna de Dante.”
Para temperar mais o assunto, Sérgio disse que “os alemães só descobriram a troca em dezembro de 1944, quando Ravena já havia sido libertada pelos britânicos e pela resistência local”.
Não se sabe que fim levou os ossos do desconhecido dentro do território alemão, uma vez que não há nada registrado, e também não seria mais possível fazer o “resgate” do pobre desafortunado.
Todos especializados
Se levarmos em consideração as personagens envolvidas nessa operação, teremos a curiosidade mais atiçada. De ambos os lados, havia gente entendida e letrada.
Os alemães tinham o coronel da SS Alexander Langsdorff. Além de militar, ele foi arqueólogo, fez expedições no Oriente Médio e integrava um grupo de estudos de relíquias.
Já os italianos contavam com o zelador do sepulcro, Antonio Fusconi, e do padre Giovanni Mesini, um profundo conhecedor de Dante. Com eles, Sérgio Roncucci colaborou juntamente com seu pai, Bruno, e seu irmão, Giorgio, a fazer a substituição.
Parafraseando o mundo do cinema, o ator principal saiu intacto da perigosa cena quando o dublê entrou (e nunca mais foi visto) para garantir o final feliz.
Ah! Vai um lembrete sobre o protagonista dessa história: a importância de Dante Alighieri para a Itália é que ele foi o primeiro escritor a usar o italiano em suas obras, ao invés do latim, idioma mais corrente na época em que viveu.