A pergunta costumeira de crianças fantasiadas durante o Dia das Bruxas teve um desenrolar muito mais para travessuras do que para doces numa cidade da Inglaterra. Não é enredo de filme, mas bem que poderia figurar na seção de filmes policiais ou de terror. Aconteceu de verdade no ano de 1858 com balas de hortelã (os doces, neste caso).

O 31 de outubro é a data para relembrar ou celebrar o Halloween e naquele ano de 1858, em plena Era Vitoriana, a cidade de Bradford viveu muitas travessuras, medo e pânico. Crianças morriam sem alguma explicação após adoecerem severamente.

Até chegar à conclusão de que balas de hortelã distribuídas na comunidade fossem as vilãs pela tragédia vivida em Bradford, muita coisa aconteceu.

Inofensivo

A personagem central dessa história permeada de mortes começa com William Hardacre, um comerciante que possuía uma barraca localizada no mercado da cidade. Muitos fregueses o conheciam pela alcunha de Humbug Billy.

Ele tinha vendido bem as balas de hortelã: foram cerca de 5 quilos e o melhor de tudo é que ele adquiriu o produto por um preço mais baixo praticado no mercado. Fazendo-se as contas, o lucro era maior do que se costumava ganhar.

O segredo deste sucesso lucrativo tem a ver com açúcar e com o revendedor. Quando William foi buscar sua encomenda, notou que as balas estavam mais escuras do que o normal.

Ao efetivar o negócio, tentou pechinchar com o confeiteiro, Joseph Neal. No fim, conseguiu um desconto de meio centavo por quilo comprado.

Mesmo com a alteração na cor do produto, William Hardacre não fez qualquer pergunta sobre a qualidade dos doces. A partir daí é que as coisas tomam uma proporção de horror.

Primeiro atendimento

Elijah Wright foi uma das primeiras crianças atendidas por um médico, logo após o início das festividades do Dia das Bruxas. Inicialmente, a sua morte foi diagnosticada como cólera, já que vários países europeus registravam surtos dessa enfermidade no século 19.

Os principais sintomas apresentados pela criança de 9 anos eram vômitos e convulsões.

Pouco tempo depois, outro caso idêntico aconteceu com um adolescente de 14 anos. Seu pai buscou ajuda médica para curar o filho gravemente doente, mas não conseguiu salvá-lo.

Em comum aos dois casos, havia a compra das balas de hortelã no dia anterior ao 31 de outubro. Faltava ainda uma ligação mais consistente para que se pudesse estabelecer a certeza.

O Dr. John Henry Bell atendeu um caso de emergência, incluindo todos os membros de uma família. As crianças de 3 e 5 anos morreram. Já os seus pais encontravam-se bem doentes. Todos haviam consumido as balas.

Desconfiando das guloseimas, o médico pegou algumas delas e as levou para análise de um químico. Enquanto isso, o efeito da morte só se alastrava na cidade de Bradford.

A polícia entrou no caso e foi até a casa de Humbug Billy. Chegando lá, viu que o comerciante estava acamado e passando mal.

Para colocar um basta na tragédia, as pessoas saíam nas ruas e tocavam os sinos como um alerta pedindo para que a população não degustasse doces. Avisos de papel foram fixados nas paredes dos locais públicos.

No rastro

Os policiais montaram uma linha de investigação e pularam de William para o confeiteiro, Joseph Neal. Ele achou que utilizava pó de gesso de Paris. No século 19, era comum o uso dessa substância para substituir o açúcar, o qual tinha o preço mais caro. Eis a explicação por vender mais barato.

A história macabra continua porque o confeiteiro pediu para seu colega buscar dias antes uma quantidade de pó de gesso de Paris na farmácia de Charles Hodgson.

Porém, o farmacêutico estava doente e precisou da ajuda de um aprendiz para atender o pedido do confeiteiro.

William Goddard não era uma pessoa suficientemente experiente e viu somente dois barris iguais com o mesmo conteúdo: uma montanha de pó branco à sua frente. Nenhum deles continha identificação do que eram.

Um deles era o pó de gesso de Paris, o qual não gera efeitos nocivos ou colaterais à saúde. No outro barril, havia arsênico. Quando ministrado em altas doses, pode matar humanos.

Sim, o aprendiz deu uma quantidade do pó branco errado ao funcionário da confeitaria. Quando chegou ao destino, ele deu para o responsável que fazia a confecção das balas de hortelã.

Produto acabado, era só vendê-lo no mercado e foi o que William Hardacre fez na véspera do Halloween de 1858.

Durante as investigações, o químico Felix Rimmington disse que encontrou arsênico em alta quantidade. O suficiente para acabar com vidas. Ele relatou que só numa bala, 16 grãos de arsênico estavam ali. Significava uma dose quatro vezes maior do que a que pode envenenar fatalmente uma pessoa.

Clamor, protestos e consequências

Os números oficiais dão conta de 20 mortes, a maioria de crianças. Outras 200 vítimas ficaram gravemente doentes. Mas, estima-se que a estatística esteja defasada, pois as balas de hortelã fatídicas foram encontradas em outras localidades inglesas, como Leeds e Bolton.

Na época, Bradford tinha uma população de 50.000 habitantes e seus moradores realizaram protestos, o que chamou a atenção da imprensa nacional.

Lição amargamente aprendida, esse Dia das Bruxas mortal colaborou para a importância da segurança no manuseio de medicamentos e produtos de consumo. Dez anos depois dessa triste ocorrência, os ingleses elaboraram uma lei que restringia a venda e a circulação de compostos venenosos e remédios com potencial perigoso.

Esse episódio sinistro poderia ter sido evitado, pois em 1820, o químico Friedrich Accum escreveu um livro, no qual descrevia a adulteração frequente de produtos como cerveja, farinha e leite. O livro ganhou fama, uma vez que servia de guia para os consumidores mais atentos e exigentes na qualidade.

Quanto aos culpados de toda esta situação, nenhum deles recebeu pena, ficou preso ou foi punido pela Justiça inglesa: Hardacre sofreu paralisia no corpo por ingerir as pastilhas.

Os outros responderam por homicídio culposo, embora Hodgson tenha admitido a confusão na hora de pegar a substância do barril errado. De um lado, o júri rechaçou as acusações contra o confeiteiro e o aprendiz. Segundo os jornais da época, o próprio juiz condutor do caso interrompeu o prosseguimento da ação contra Hodgson.