Diplomatas brasileiros agiram de forma clandestina para conter as políticas externas do governo Jair Bolsonaro, segundo estudo em curso por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Universidade de Oxford. Os atos foram descritos pelo jornalista Jamil Chade, na última quarta-feira (7), em sua coluna no portal UOL.
A resistência dos diplomatas se deu por meio de encontros sigilosos com representantes de outros países, para tratar questões como mudanças climáticas e direitos humanos. Fizeram parte da rede funcionários do Itamaraty, bem como servidores administrativos e até mesmo embaixadores.
Os principais objetivos dessa atuação foram de "preservar a credibilidade" do Brasil e não gerar crises com outros países devido às mudanças na política externa com a gestão de Bolsonaro. Para isso, diplomatas mantiveram contato direto com governos internacionais sem a necessidade de acionar a cúpula do Itamaraty, ocultando informações e posicionamentos e também fazendo reuniões não registradas na agenda oficial.
Em encontros da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização dos Estados Americanos (OEA), por vezes os diplomatas se limitaram a ler a instrução encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores, sem se empenharem no cumprimento ou em convencer outros países.
Além disso, houve redução no ritmo de trabalho e documentos que pudessem ser úteis na defesa desses diplomatas, registrando a ilegalidade de determinados atos do governo, foram copiados e guardados.
Informações sobre o posicionamento oficial, como resoluções contra o uso da palavra "gênero" em documentos, alinhamento com países como Arábia Saudita e Afeganistão contra o acesso à educação sexual, foram vazadas para a sociedade civil, a fim de que a pressão da opinião pública pudesse fazer com que certos atos fossem contidos ou revertidos.
Diplomatas também publicaram artigos de denúncia com nomes de outras pessoas ou de acadêmicos.
Clima de medo e perseguição entre funcionários do Itamaraty
Diplomatas e servidores do Itamaraty também relataram um clima de medo durante a gestão de Bolsonaro, com represálias e perseguições a quem não se alinhasse ideologicamente.
As redes sociais de diplomatas chegaram a ser monitoradas, para que a cúpula soubesse que tipo de conteúdo acessavam e como reagiam.
Funcionários que se dedicavam a temas que contrariassem a agenda de Bolsonaro, como gênero, direitos humanos, meio ambiente e clima, foram substituídos por pessoas que se mantivessem leais ao governo.
Entre as palavras e expressões vetadas e apagas de documentos oficiais, estavam "gênero", "mudanças climáticas" e "Cuba". Piadinhas e comentários maldosos sobre mulheres e homossexuais passaram a ser feitas com frequência nas dependências do Itamaraty.