Mal entrou em vigor, conforme publicado no Diário Oficial de 30/11, e tanto a caneta quanto a cabeça do Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, devem estar latejando ou estão dilatadas pela chuva de protestos e reclamações.

O motivo está na permissão que a prefeitura está dando a dois assuntos que, aparentemente, não têm conexão estreita em seus conteúdos: a regulamentação das ‘dark kitchens’ (ou cozinhas escuras, negras, em tradução livre) e a autorização para a elevação do som em shows e eventos.

A rapidez dos trâmites é inacreditável, visto que geralmente, a morosidade é a palavra mais adequada em relação à elaboração e publicação de leis vindas do Poder Público.

Celeridade anormal

Entre a aprovação na Câmara e a sanção efetuada pelo Prefeito paulistano, o prazo foi de apenas 24 horas.

O mais incrível é que o teor está viciado, pois dentro do jargão das leis e normas, foi incluído um assunto ‘jabuti’. Isto é: uma parte utilizada dentro de uma lei que não tem nenhuma relação com o projeto original.

Em maio, Nunes enviou uma proposta para regulamentar o funcionamento de estabelecimentos. Ora, quando se trata de estabelecimentos, pensa-se que a matéria versa sobre as ‘dark kitchens’.

Portanto, o ‘jabuti’ estaria na mudança para a tolerância de barulho em eventos realizados na cidade de São Paulo.

Ainda sobre o barulhão, as empresas que trabalham com sonorização e afins têm um prazo de 90 dias – a partir da publicação no Diário Oficial – para se adequarem à nova lei.

Na votação final, 38 vereadores da Câmara Municipal decidiram favoravelmente. Outros 11 parlamentares votaram contra a lei. Houve uma abstenção.

Indo por partes

As reclamações relacionadas às ‘dark kitchens’ vêm de vizinhos que se incomodam com a poluição atmosférica e com o som gerado pelos exaustores. Basicamente, elas funcionam à noite ou de madrugada.

De acordo com a nova lei, cada cozinha precisa ter o espaço mínimo de 12 metros quadrados. Os espaços – os quais abrigam mais de uma ‘dark kitchen’ – deverão oferecer infraestrutura para os entregadores de refeição, como banheiros e água. Esse último ponto vai de encontro com a polêmica de reservar vagas na via pública, utilizadas como estacionamento, para o transporte de mercadorias e refeições.

Ademais, o texto dividiu esse tipo de estabelecimento pelo limite de 500 metros quadrados. As cozinhas industriais instaladas abaixo desse patamar poderão atuar em áreas residenciais. Já as que se situam acima desse limite são as mais preocupantes, pois geram consequências ambientais e sociais.

No tocante ao barulho, o texto regulamentar permite o aumento de 50 para até 75 decibéis o som produzido em grandes eventos sediados na capital paulista. Anteriormente, os vereadores da Câmara tinham aprovado um limite maior: 85 decibéis. Porém, em negociações posteriores, “baixou-se” em 10 decibéis.

Primeiro 'round'

O barato pode ter saído caro para o Executivo Municipal: é que o PSOL ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a elevação do barulho.

E não foi só o partido político que chiou; associações de bairro e integrantes da sociedade protestaram.

Mesmo com o aceno vindo de alguns vereadores, o fato é que a Prefeitura de São Paulo nega que houve um ‘jabuti’ embutido na Lei 17.583/22.

A Câmara já recebeu alguns abaixo-assinados que manifestam sua posição contrária à geração adicional de decibéis. Com essa carga de ruído, as imediações próximas a estádios e arenas serão as mais afetadas.

Consultados, os especialistas em saúde alertam que essa exposição contínua pode acarretar sintomas como problemas cardiovasculares, sono ruim e danos à saúde mental.

O assunto (tanto o principal como o ‘jabuti’) rende “panos para manga”: antes de entrar em votação, o promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, Jorge Mamede Masseran, prometeu impetrar uma ação no Tribunal de Justiça, alegando o abuso que a lei prevê.

Nesse embate de luta livre ou de MMA, sobra para aqueles que convivem ao lado desses estabelecimentos uma saída desanimadora: em vez de usar chumaços de algodão nos ouvidos, podem optar por rolhas de vinho e similares para garantir uma noite bem dormida e enfrentar o cotidiano (tão cruel e estressante) no dia seguinte.