Vários fatores, tanto históricos quanto políticos, econômicos, religiosos e culturais, vem tornando o agir humano um processo difícil de definição. Parece que a perda da liberdade de escolha, do direito de ir e vir, estão tirando do homem o protagonismo próprio de ser. Ou seja, o mundo já não é mais um lugar seguro para se viver e cada dia mais cresce o ódio, a xenofobia e a intolerância.
Casos de racismo, preconceito, discriminação e assassinatos estão acontecendo em escala mundial. Nesse cenário, o que dizem as ciências humanas e sociais? Em que elas podem contribuir?
Para a sociologia, o modo humano de ser passa por três instâncias: o individuo, o ator social e a pessoa. O indivíduo é visto apenas com um ser biológico, um dado estatístico. Por outro lado, o ator social é aquele que expressa papéis demandados pela sociedade para serem representados em momentos específicos da vida coletiva.
Esses papéis não são inatos, mas aprendidos ao longo da vida, durante a socialização do indivíduo.
Entende-se por pessoa o Ser humano como um ator social que, inserido em seu meio, é autoconsciente e, utilizando-se da consciência que tem de si mesmo, é capaz de tornar-se como objeto de seu próprio conhecimento, autoanalisando-se e tomando decisões sobre sua vida e seu destino.
A antropologia, definida como a ciência do homem e da cultura, nasceu do desejo demostrado pelos indivíduos de conhecerem a si mesmo e ao outro com o qual convivem. Como o próprio nome designa, a antropologia é a ciência que tem como principal objetivo conhecer o antropos, ou seja, o humano. Obviamente, para conhecermo-nos e conhecermos ao outro, precisamos tomar como ponto de partida o que se entende por humano e por humanidade.
Para a filosofia, a nossa condição de humanidade é marcada por características descritas como finitude, imanência, transcendência, relacionalidade, singularidade, pluralidade e outros infinitos termos que aguçam a curiosidade humana em torno do autoconhecimento. No entanto, já é sabido, que um dos aspectos que diferencia o ser humano dos demais seres vivos, conforme destaca Jean Delumeau (1996), é o fato de ele ser o único que sabe, desde o seu nascimento, que um dia irá morrer.
A compreensão de nossa própria finitude limita-nos e nos faz perceber que a eternidade é ilusória e, ao tomar consciência disso, mobilizamo-nos em busca de estratégia eficazes de sobrevivência. Dessa forma, transformando-se e transformando a natureza para a sua sobrevivência, os seres humanos remodelam o mundo e justificam sua existência pelo mundo que criam, nele permanecendo e sentindo-se dele parte integrante.
Essa caraterística é denominada imanência.
Portanto, assim como outros animais, os seres humanos estabelecem com a natureza uma relação de dependência, posto que será por meio dela que encontrarão os elementos necessários para sobreviver. Diferenciam-se, porém, pela capacidade que têm de, ao relacionar-se com a natureza em busca de sua sobrevivência, modificarem-na através da ação que desenvolve sobre ela. A ação que transforma a natureza e, por consequência, o próprio homem é o que denominamos de trabalho.
Além da satisfação de suas necessidades básicas de sobrevivência, os seres humanos também descobrem a necessidade de ir ao encontro de seus iguais para com eles conviverem. Na convivência com o outro nos socializamos, criamos regras destinadas à sobrevivência e, a partir de então, nos tornamos mais complexos do que os seres vivos de outras espécies.
Logo, além de sermos organismos biológicos, nos transformamos e nos autodenominamos seres humanos. Ao conjunto de todas essas características denomina-se relacionalidade.
Sob essa mesma perspectiva, Leonardo Boff (2003), ao discorrer sobre a ética e amoral, comenta: “No conjunto dos seres da natureza, o ser humano ocupa um lugar singular. Por um lado, é parte da natureza por seu enraizamento cósmico e biológico. É fruto da evolução que produziu a vida da qual ele é expressão consciente e inteligente. Por outro, se sobreleva à natureza e nela intervém, criando cultura e coisas que a evolução sem ele jamais criaria como uma cidade, um avião e um quadro de Portinari”.
Em suma, a condição humana de temporalidade e espacialidade fornece ao homem a condição de “ser histórico”, como afirmam Girardi e Quadros (1998): “A historicidade radicalmente brota, também, da corporeidade e de seu ser-no-tempo.
O corpo, munido dos sentidos e a necessidade de decidir, decidir-se e resolver-se fazem o homem descobrir, além de sua situação, a sua própria circunstância”. Enfim, na raiz do seu ser, o homem foi criado para ser sujeito da história. Torná-lo objeto é um atentado a sua dignidade.