Em 2019, a Netflix estreou o filme "História de um Casamento" em que Scarlett Johansson e Adam Driver interpretavam um casal que estava passando por um processo de separação. No filme dirigido por Noah Baumbach, há uma longa sequência em que o casal de protagonistas trava uma intensa discussão, essa é a sequência mais impactante do longa.

No dia primeiro de janeiro de 2021, a plataforma de streaming do “N” vermelho estreou "2020 Nunca Mais" ("Death to 2020"), um falso documentário que fazia uma retrospectiva do ano de 2020. Em determinado ponto da obra para criticar a falta de diversidade do Oscar, o filme dos mesmos realizadores da série "Black Mirror" classificou "História de um Casamento" como um filme que mostra pessoas brancas se separando.

A mesma Netflix estreou na última sexta-feira (5) "Malcolm & Marie", o filme que pode ser considerado uma espécie de "História de um Casamento" para o público negro. Enquanto a produção de 2019 mostrava todo o processo de separação de um casal, o filme de 2021 se concentra em um único momento de crise de um par romântico uma longa discussão.

Por coincidência, em ambas as obras há personagens ligadas ao mundo do audiovisual, assim como os dois filmes são dirigidos por diretores que primam por um tom confessional em suas obras.

A trama

Malcolm (John David Washington) e Marie (Zendaya) chegam em casa após um evento de pré-estreia do primeiro filme do personagem de Washington. O público então vê o cineasta empolgado com a boa recepção que sua obra obteve entre público e crítica especializada, enquanto que Marie dá mostras de que não está tão animada quanto seu namorado.

Enquanto a câmera acompanha um exultante Malcolm, que canta, dança, faz piadas, Marie aparenta tédio e um leve desprezo pela situação, fica evidente para o público que algo está errado na vida daquele casal e que logo a situação irá evoluir para uma situação dramática. A partir de uma história simples, um casal que discute a relação em uma noite, Sam Levinson escreveu uma história que faz com que o espectador tenha uma experiência imersiva ao abordar uma situação banal.

Oscar 2021

O filme de Levinson é apontado como uma das apostas da Netflix para o Oscar desse ano. São gritantes os elementos na produção que fazem a gigante do streaming sonhar com a estatueta. "Malcolm & Marie" apresenta uma bela fotografia com a ausência de cores, interpretações inspiradas de casal de protagonistas e até mesmo um roteiro, que ainda que tenha falhas, talvez possa ser lembrado na premiação.

Parceria

Sam Levinson é o criador da polêmica série de sucesso da HBO "Euphoria", também protagonizada pela atriz Zendaya, que foi laureada com um Emmy por sua atuação na obra. A personagem da atriz em "Malcolm & Marie" tem semelhanças com a protagonista de "Euphoria", enquanto a Rue da série da HBO é uma jovem que luta contra o vício em substâncias ilícitas, Marie tem um passado terrível no mundo das drogas ilícitas. Mas as semelhanças entre a série da HBO e o filme da Netflix para por aí.

O outro grande destaque de "Malcolm & Marie" é John David Washington. O ator a cada nova obra que participa se consolida como um dos principais nomes do Cinema norte-americano atual. Com atuações brilhantes, Levinson conduz sua trama com muitos atrativos visuais, bons planos-sequência, planos longos e uma bela fotografia, o roteiro, do próprio diretor, têm boas sacadas, ainda que por vezes tenha pontos fracos.

Team Marie

Logo em seu início, a produção parece querer entregar para o espectador que há um “vilão” na história, quando é mostrado um Malcolm, como um cineasta talentoso e promissor, mas ao mesmo tempo egocêntrico que não está atento às necessidades de sua amada. Neste sentido, fica fácil se conectar com todos os problemas que são relatados por Marie, como ele não a valoriza e tudo o mais. Porém, é visto que as coisas não são tão simples assim quando a trama ouve o lado da história do personagem de John David Washington, esta é a beleza do roteiro de Sam Levinson, ele mostra personagens que poderiam ser pessoas de verdade. Porém o autor comete alguns exageros, ao inserir nos diálogos do casal temas que parecem ser caros ao próprio diretor, como reflexões diversas sobre como a crítica por vezes não entende o que o autor quis dizer com sua obra.

Ainda que este e outros temam abordados pelo personagem Malcolm possa parecer algo natural, visto que o personagem é um diretor/roteirista de cinema, fica mais a impressão que Levinson quis externar algumas de suas frustrações com a crítica e usou o personagem para realizar sua vingança. Ainda que a verborragia da trama tenha comprometido um pouco o resultado final, as brilhantes interpretações de Zendaya e John David Washington compensam os exageros de Sam Levinson.