Feriado de Páscoa e alguém publica na internet que os coelhos –animais símbolo da festividade– põem ovos de verdade. Uma bela justificativa para explicar aquele presente envolto numa colorida embalagem, feito e recheado por centenas de gramas de chocolate.

Essa imagem que, na verdade, não existe, seria mais do que interessante para as empresas do ramo alimentício, visando a entrada de mais dinheiro em seus caixas. Porém, é uma lástima que isso contrarie as leis da natureza. Coelhos não botam ovos. São mamíferos.

Apesar de hipotética, isso já é possível de ser feito, ilustrado ou criado com a inteligência artificial.

Outras fotos viralizaram na grande rede mundial como a do papa Franscisco vestindo uma jaqueta branca bem fashion. Era mentira.

Para os opositores de Donald Trump, muitos foram à loucura quando uma foto foi divulgada acerca de sua prisão. Outro exemplo vem do presidente francês Emmanuel Macron lutando nas ruas contras os que não são favoráveis à reforma da Previdência na França. As duas fotos são falsas. Foram fabricadas.

Em todos os três casos, os especialistas admitem: é muito difícil distinguir o que é real do que não é. O que há de comum é que a inteligência artificial foi usada para encantar, iludir, polemizar ou frustrar os menos cuidadosos.

Surpresa

Involuntariamente, Macron, Trump e o papa Francisco sofrem as consequências –mesmo que não seja de propósito– do que um pouco antes, pessoas ligadas à informática e à Tecnologia manifestaram acerca da inteligência artificial.

Em carta divulgada há poucos dias pelo Future of Life Institute, Elon Musk, Steve Wozniak e outras milhares de pessoas solicitam para que as pesquisas relacionadas à inteligência artificial sejam suspensas por seis meses.

A instituição objetiva a redução do impacto que as novas tecnologias podem trazer à humanidade. Num trecho, a carta diz que “estes sistemas só devem progredir quando estivermos confiantes de que seus efeitos serão positivos e seus riscos, gerenciáveis.

Não deixa de ser contraditória a postura vinda de Musk e Wozniak, enfronhados neste universo cheio de bytes e dados. No mínimo, é surpreendente. Ligados ao elemento da inovação, para que ambos sejam signatários da carta é porque, talvez, haja algum perigo ou efeito colateral/desagradável detectado.

Primeiros sinais

O temor tem crescido um pouco no Hemisfério Norte.

Um dos exemplos vem da Itália, a qual proibiu o funcionamento do ChatGPT, um aplicativo que simula uma conversação humana. Seus vizinhos europeus, França e Alemanha, cogitam seguir na mesma direção, ou seja, de pisar mais no freio em relação a estas novidades.

Do outro lado do Atlântico, o presidente norte-americano Joe Biden sentou-se à mesa para debater com cientistas e consultores sobre os riscos e as vantagens da inteligência artificial. É que as gigantes do setor tecnológico como a Microsoft, Google e Baidu já esfregam as mãos. Não à toa, pois o mercado desse novo ramo florescente é estimado em US$ 142,3 bilhões. Tanta competição em torno de uma ferramenta poderosa nas mãos de pouquíssimas empresas.

Os respingos já são sentidos no setor cinematográfico: o ator Keanu Reeves incluiu um item contratual que proíbe a alteração digital de sua imagem. A Screen Actors Guild representa cerca de 160.000 atores e pede uma regulamentação mais rigorosa. E acrescentou que os trabalhadores de “carne e osso” são a base da indústria de criação.

Descontrole ou acompanhamento controlado

Os três exemplos de imagem citados acima colocam à tona a questão do uso das redes sociais, a liberdade extrema desfrutada dentro delas e a incredulidade (às vezes, provocada) de parte de seus usuários. Num outro campo de debate, reacende a velha discussão: até que ponto seremos substituídos de vez pelas máquinas? Ou seremos totalmente dependentes delas a partir de então?

No caso brasileiro, o Marco Civil da Internet está em vigor. Contudo, passa por calorosas discussões entre os ramos jurídico e acadêmico. Um tema bem complexo, pois envolve a ética, a adoção de normas de conduta a serem aplicadas num território onde vale tudo.

Enquanto isso, o avanço do uso maléfico da Internet progride em meio à inércia da sociedade, boquiaberta por tantas novidades em tão pouco tempo. Uma vertigem.

Por outro lado, a inteligência artificial tem sido vista como um campo de perspectivas na área da educação, agricultura, indústria, planejamento urbano e saúde.

Sim, em alguns ramos, ela já está presente: é o caso do monitoramento dos solos, a melhor produtividade das lavouras, a automação dos carros, a análise de dados sobre a otimização do tráfego das grandes cidades e análise de dossiês de doentes.

Em suma: o que estava lá longe, está bem mais perto do que se imagina.

Ícone da tecnologia de massa, Bill Gates faz o contraponto em relação a Musk e Wozniak. Na sua opinião, a inteligência artificial deve ser estimulada e posta à disposição dos usuários comuns. Além de poder reduzir desigualdades sociais.

Para reflexão

Assim como houve três exemplos sobre o uso da inteligência artificial, aqui haverá três enfoques com um mesmo denominador comum. O primeiro deles vem do livro “1984”, do escritor George Orwell. Nele se relata o poder concentrado num computador que faz o papel do Estado controlando os cidadãos humanos e ditando normas. Além de interrogar e perseguir àqueles que “destoam” de suas ordens e preceitos.

O segundo vem do cientista da computação Jaron Lanier, o qual declarou de forma sarcástica que o grande perigo de certos aplicativos é deixar as pessoas loucas. E o terceiro vem do historiador israelense Yuval Harari, signatário da carta. Para ele, a sofisticação dispensada a computadores e afins “pode servir apenas para fortalecer a estupidez natural dos humanos”.

Mesmo com o nível de susto ter aumentado diante de tamanha aceleração no ramo tecnológico, o fato é que a inteligência artificial já bateu à porta e procura entrar pela fresta. Não tem como dar meia volta. Se isso não fosse verdade, não veríamos uma disputa geopolítica e tecnológica travada por Estados Unidos, Rússia e China atualmente.