Assim como caminhar e fazer corrida precisam de um intervalo para se recuperar do cansaço e repor a hidratação, a decisão sobre o tema polêmico da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.
A Corte máxima do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, deu uma guinada no início de março com mais votos se juntando ou não à descriminalização. Porém, o ministro Dias Toffoli pediu mais tempo para analisar o mérito.
O início da discussão sobre a descriminalização teve início em 2015, ou seja, lá se vão quase 10 anos desde que isso foi colocado em votação.
André Mendonça foi o primeiro a pedir mais tempo para julgar o mérito, em agosto de 2023. Seu voto final foi contra a descriminalização. O assunto voltou a ser retomado em 2024, mas vai demorar um pouco mais para ter um desfecho.
Até o momento, 8 ministros se manifestaram e o placar é de 5 votos favoráveis e 3 contrários à descriminalização.
Os dois lados da balança
Os magistrados que votaram a favor argumentam que o uso de maconha é uma questão de ordem individual, isto é, entraria no âmbito das liberdades e da saúde de cada cidadão.
Além disso, eles entenderam que o crime de porte de drogas aumenta a detenção de pessoas vulneráveis. Nessa lista estão os ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e até Alexandre de Moraes, conhecido pelo seu rigor em sentenças e decisões.
Como a ministra Rosa Weber votou sobre o assunto antes de se aposentar, seu substituto, o recém-empossado Flávio Dino, não poderá mudar a decisão da juíza.
Por sua vez, os que permanecem contra o uso de maconha acham que a liberação pode aprofundar o vício, bem como intensificar seu combate policial no território nacional. É a posição dos ministros Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin.
O pano de fundo para os debates no STF está no artigo 28 da Lei das Drogas.
Lá, é descrito o que se diferencia usuário de traficante. O texto é exatamente esse: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” está passível de punição.
Diferenciação
Com o placar de 5 a 3, o STF entende que as figuras de usuário e de traficante são diferentes. O que ainda não se chegou a um consenso é com relação à quantidade permitida para o porte. Mas, concordam que a quantidade gira em torno dos gramas. Ou seja, estaria no âmbito de pequenas porções.
Os próximos 3 votos restantes cabem aos ministros Dias Toffoli, Carmen Lúcia e Luiz Fux.
Com a decisão de Dias Toffoli em suspender a votação sobre descriminalizar ou não a maconha, houve um despertar de curiosidade acerca de seu voto.
Afinal, como ele se comportará no plenário do Supremo?
De acordo com fontes dentro do Tribunal máximo do Brasil, a tendência é de que Toffoli tenha um parecer coincidente com o de Gilmar Mendes. Então, seria um voto adicional a favor da liberação da droga.
Motivo escondido
Ao pedir vista do processo, especula-se que Dias Toffoli tenha usado uma cartada estratégica com motivação política e institucional.
Seu gesto pode ter relação de que ele mesmo acha que o assunto não deve ser debatido agora. Mas, cavando um pouco mais para achar água no fundo do poço, a intenção seria a de evitar mais desgastes no relacionamento com o Poder Legislativo.
O procedimento de vista garante um período de até 90 dias para que o magistrado que o pediu possa, enfim, manifestar sua posição sobre o tema.
Dias Toffoli já deu pistas de sua generosidade no passado, ao revogar prisões preventivas ou reduzir penas de dependentes que portavam menos de 50 gramas.
Olhando o quadro todo
Apesar de controverso, a descriminalização do porte de maconha está em julgamento porque o Supremo Tribunal também estaria de olho em um velho problema conhecido no sistema carcerário do Brasil: o da superlotação de presídios e cadeias.
De acordo com levantamento feito pela Secretaria Nacional de Políticas Penais, ligado ao Ministério da Justiça, cerca de 28% da população presa está nesses locais por razões enquadradas na Lei de Drogas. Hoje, o somatório de encarcerados chega a 644 mil no sistema penitenciário.
No outro lado do prisma da questão, os ministros avaliam a maioria de pessoas pobres que vão para a cadeia pelo motivo do porte em pequenas quantidades e uso de drogas.
Na Opinião deles, é um contraste em relação às pessoas ricas que também consomem maconha, mas cujo tratamento não é o mesmo aplicado aos menos endinheirados.
Enquanto isso, o meio jurídico se agita em torno do posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Mestre em Direito Constitucional, Antônio Carlos Freitas Júnior destaca em entrevista ao portal iG: “A função do STF é fazer o controle de constitucionalidade. Ele analisa se as leis seguem a Constituição. Por sua vez, o Legislativo regula a sociedade por meio de normas inferiores à Constituição”.
"O problema é que os ministros estão baseando-se em valores abstratos e não em disposições completas da Constituição. O que acaba sendo juízo de conveniência. Não é função do STF decidir o que é melhor para a sociedade", afirma.