O elenco e a produção do programa humorístico da Rede Globo, "Zorra", estava em uma festa para comemorar a centésima edição do programa exibido nas noites de sábado pela maior emissora de Televisão do país.
'Zorra Total'
O programa havia passado por uma reformulação total em 2015, quando o antigo nome "Zorra Total" fora abandonado. Mas mais importante que isto, foi abandonar o modelo de humor que era apresentado pela atração, em que eram comuns as piadas preconceituosas, além da objetificação do corpo da Mulher.
A nova versão do humorístico ganhou uma linguagem politicamente correta, maior agilidade e contemporaneidade. O que fez o programa ganhar boas críticas e aceitação do público.
O responsável por esta guinada da atração foi o comediante Marcius Melhem, então com 14 anos de Rede Globo, trabalhando como ator, roteirista e diretor.
A festa para comemorar a boa fase da atração aconteceu no dia 5 de novembro de 2017, em um bar em Botafogo, no Rio de Janeiro.
Melhem organizou uma celebração com os atores e roteiristas do "Zorra". Compareceram à festa em torno de 80 pessoas. Por volta das 22h30, Os presentes foram às gargalhadas com a exibição da centésima edição do programa.
A comediante Dani Calabresa foi um dos destaques da edição em que participou de um esquete em que parodiava a música de Chico Buarque, "Morena de Angola", que ficou famosa na voz da cantora Clara Nunes.
Acabada a exibição do programa, a festa continuou com um karaokê. Calabresa subiu ao palco com um grupo de pessoas.
Melhem também quis participar e se colocou ao lado da atriz, forçando, segundo o relato da revista, um contato físico que foi rejeitado por Dani.
Constrangida com a situação, Calabresa desceu do palco e foi ao banheiro. Marcius Melhem a teria seguido e novamente investido contra a atriz, desta vez de forma mais agressiva, chegando até mesmo a dominar Dani Calabresa, mostrando seu órgão genital para a atriz e, tentando beijá-la à força, acabou lambendo o rosto dela.
Dani então voltou para o salão principal chorando e foi consolada pelos amigos. Os atores Luis Miranda e George Sauma deram um copo d'água para acalmá-la.
Mais um assédio
Três dias após o episódio, Dani Calabresa estava ensaiando com a atriz Maria Clara Gueiros para um esquete do humorístico no Projac, em Jacarepaguá.
Elas foram surpreendidas pela aparição de Marcius Melhem, que não tinha o hábito de aparecer nos estúdios de gravação.
Seu local de trabalho era concentrado em um escritório destinado para os redatores dos programas de humor da emissora, que fica no Jardim Botânico, mais de 30 quilômetros do Projac.
Melhem afirmou que não era culpado pelo que havia acontecido no bar em Botafogo, e que, na verdade, a culpa era da atriz.
Mais uma vez o comediante tentou agarrar Dani, enquanto ela fugia novamente dele. Ele continuou perseguindo-a, dando voltas em uma mesa que havia no local.
A atriz Maria Clara Gueiros pediu para que ele parasse com o assédio. Dani Calabresa, por sua vez, disse que não queria as desculpas de Melhem e relembrou o que ele havia feito na festa em Botafogo. Ambos os episódios tiveram testemunhas.
A revista Piauí ouviu 43 pessoas de forma presencial, virtual ou por troca de e-mails. Entre as pessoas ouvidas haviam as que afirmam terem sofrido assédio moral ou sexual, e ainda haviam as que teriam sofrido as duas formas de assédio.
Algumas dessas pessoas conversaram com a revista sem pedir que fossem ocultadas suas identidades.
Contudo, a maior parte dos entrevistados não quis revelar seus nomes pelos mais diversos motivos, para evitar desentendimentos com a Globo, evitar prejuízos em suas carreiras, mas a maioria delas não quis reviver publicamente aqueles momentos por que passaram.
A revista Piauí entrou em contato com Marcius Melhem, que alegou que quando recebeu as perguntas da publicação percebeu que nada do que dissesse poderia alterar a imagem que já havia sido formada sobre ele, de um abusador, e que ele não teria como rebater acontecimentos que não ocorreram.
Globo
O presidente executivo da Rede Globo, José Nóbrega, a diretora de comunicação da emissora, Andrea Doti, e a diretora de compliance, Carolina Bueno Junqueira, também falaram à Piauí.
No encontro virtual ocorrido no dia 19 de novembro, o trio de executivos da emissora declarou que não poderia falar nada sobre o caso Melhem.
Eles alegaram que os casos de assédio ocorridos dentro da emissora representam menos de 1% das queixas internas da empresa.