Ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro e ex-comandante das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o antropólogo Robson Rodrigues foi entrevistado pelo site BBC News Brasil e afirmou que a herança deixada pela ditadura militar e a cultura do medo são alguns dos fatores que explicam o porquê da atuação tão truculenta das polícias no Brasil.
Foi realizada no último dia 6 uma operação da Polícia Civil na comunidade do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, que resultou na morte de 28 pessoas. Entre elas, um policial da corporação.
Em 2020, as intervenções policiais no Rio tiveram como resultado 1.245 vítimas, de acordo com informações do Instituto de Segurança Pública.
STF
A operação da Polícia Civil ocorreu mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de junho de 2020 que proibia operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do coronavírus. A decisão dava autorização apenas em "hipóteses absolutamente excepcionais". Para que seja realizada uma operação, os agentes são obrigados a comunicar qual é o motivo ao Ministério Público (MP). A Secretaria de Polícia Civil divulgou uma nota em que afirmava que havia a necessidade das operações nas favelas.
Medo
Robson Rodrigues na entrevista disse que o estado do Rio de Janeiro foi construído tendo como base o medo, um sentimento que muitas vezes acaba sendo manipulado por interesses políticos.
Por estarmos em um constante estado de medo do outro, isso acaba por gerar reações violentas, afirmou o antropólogo.
Rodrigues também declarou que durante a Constituinte de 1988, a sociedade brasileira optou por manter o modelo policial criado pela ditadura: enquanto uma corporação fica responsável pelo policiamento ostensivo, outra corporação civil fica encarregada das investigações.
O antropólogo declarou que a sociedade e a política não conseguiram propor uma estrutura moderna para as polícias, um modelo que pudesse dar conta dos desafios sociais e da justiça criminal, e que o resultado disso é visto nos dias atuais.
Atualmente na reserva da PM, o antropólogo também falou na entrevista sobre o fracasso no enfrentamento ao tráfico de drogas, como o país não consegue combater a corrupção policial e ainda falou como criminosos lucram com a violência em áreas que estão sob o domínio das facções.
Robson esteve em vários cargos de direção dentro da PM do Rio entre os anos de 2009 até 2016. Ele foi o coordenador das UPPs entre 2010 e 2011 além de ter sido chefe do Estado Maior da PM carioca entre 2015 e 2016. Perguntado por que a violência policial no país nem sempre é debatida dentro das próprias corporações, o antropólogo afirmou que alguns setores nas polícias se dedicam ao problema, ainda que seja pouca gente.
Ele apontou como entrave para um debate mais aprofundado do problema a cultura do autoritarismo que está presente não apenas nas polícias, mas também em vários outros setores da sociedade brasileira. É preciso ter habilidade para mudar essa cultura, ainda mais na conjuntura política atual no Brasil, disse Robson Rodrigues.