Quem já não ouviu durante uma conversa que tal pessoa ficou sem chão para viver? A frase proferida tem a ver com ficar sem valores ou poder de ação perante uma situação difícil. É a mesma coisa sentida por milhares de pessoas que vivem em Maceió. Especificamente em cinco bairros da cidade reconhecida pelas praias lindas, com a água variando entre o azul, o verde e o turquesa.

Para os leitores, o problema do afundamento do solo vem à tona recentemente, mas se estendeu por anos. A rigor, o ano de 1976 pode ser considerado como o divisor de águas entre viver bem e o trauma por deixar amigos, vizinhos e suas raízes para trás.

Foi neste ano citado que começaram as operações para extração de sal-gema, efetuada pela empresa petroquímica Braskem. Essa exploração foi frequente e tão intensiva que se tornou voraz. Em 2019, a própria Braskem decidiu parar de cavar na área compreendida pelos bairros de Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Farol e Bom Parto.

Nem os próprios habitantes dessas cinco regiões imaginavam que por debaixo de suas próprias casas estava se cavando um destino cruel e desalentador. Dormiam e levavam suas vidas normalmente até que o chão de suas moradias começou a ruir e dar sinais de insegurança e preocupação.

Sem viva alma

Passados quatro após a decisão da petroquímica, a visão de Bebedouro, Farol, Pinheiro, Bom Parto e Mutange se assemelha a uma cidade fantasma.

Aqui e ali, existem alguns resquícios de comércio e poucos indivíduos circulando nas vias públicas. Não tem jeito, o comércio sente o reflexo dessa falta de gente e sem gente, o faturamento, a conversa com clientes decrescem ou até somem.

Fernando Lima, de 60 anos, é presidente da Associação Comunitária e Beneficente dos Moradores do Bairro do Bom Parto e não escapa das consequências irreversíveis do afundamento de solo.

Em entrevista à Sputnik Brasil, ele estima que 35% dos moradores deixaram o bairro e mais 15% do total vai ser transferida em breve.

O diagnóstico que Fernando faz da conjuntura vivida em Bom Parto é preciso e dramático: a mina escavada por décadas está sob ameaça de colapso. Crítica, na iminência de gerar um grande buraco a céu aberto.

Ele qualifica a situação como a de um “genocídio social”, pautada por ausência de infraestrutura, escolas ou hospitais.

Êxodo urbano

Desde 2019, cerca 60 mil pessoas mudaram ou tiveram que mudar à força dos cinco bairros margeados pela Lagoa Mundaú, em Maceió.

A olhos vistos, observam-se inúmeras rachaduras e desníveis que, a cada dia, só aumentam. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, a responsabilidade é totalmente creditada à exploração desenfreada de 35 minas feitas pela Braskem.

Em uma delas, a de número 18, tem o retrato mais crítico: a qualquer momento pode ocorrer um desabamento e tanto ruas como residências deverão ser engolidas pelo buraco. Estima-se que essa cratera fique de um tamanho comparável ao do estádio do Maracanã.

Partes dos bairros afetados recebem alguma circulação de pedestres e veículos. Monitorados por seguranças particulares, os 15 mil imóveis foram lacrados com a construção de tijolos e cimento nas portas e janelas. Todos eles foram adquiridos pela Braskem, a qual alega que está pagando as indenizações aos moradores obrigados a fazer esse êxodo dentro de Maceió.

O resultado do abandono é uma mescla de grama alta, ruas desertas, desolação e um silêncio sepulcral. Pichações sobre as consequências desse lamentável fato são vistas ora com carga irônica, ora com carga de revolta ou protesto.

De um lado e do outro

Uma das ruas de Pinheiro ilustra bem o quão desconcertante e contraditório é a mudança brusca imposta na região.

De um lado, há um comércio que ainda resiste como um posto de gasolina e uma concentração de vendedores ambulantes. Do outro lado da Rua Prof. José da Silveira Camerino, nada funciona. O Hospital do Sanatório teve que transferir pacientes em caráter emergencial para outros centros médicos de Maceió.

Mateus Costa é comerciante da área e sentiu mais de uma vez os problemas decorrentes do solo de seu bairro. Em 2019, foi despejado de sua casa. Com a indenização paga pela Braskem, adquiriu outro lugar para morar. Neste ano, teve que engolir a interdição de sua mecânica pela Defesa Civil.

Em entrevista à Rádio Nacional, ele dá uma ideia de como se vive/trabalha em Pinheiro: “Você imagina estar situado num bairro e o bairro todo desaparecer?

Não existe mais o bairro, não tem mais nada. O comércio caiu 80%. Psicologicamente, eu estou arrasado”.

Manuela Rodrigues nasceu, mora no bairro de Pinheiro e revela que seu único consolo é o maravilhoso pôr-do-sol. “O que está se tornando é uma tristeza”, resumiu ela também à Rádio Nacional.

Feirante da capital de Alagoas, Givanildo Costa se mudou de Bebedouro e declarou que esse drama mexeu profundamente com seu irmão, o qual tinha uma oficina em Pinheiro.

Givanildo se preocupa com a saúde de seu irmão: desde o fechamento do estabelecimento, ele caiu na tristeza e na depressão. Sobrevieram um derrame, um diabetes e a perda quase total da visão. Quando trabalhava na oficina, o irmão de Givanildo tinha uma renda média de 6 mil reais.

Hoje, depende de menos de um salário mínimo.

Segue monitorando

Dados da Defesa Civil indicam que o afundamento da mina 18 avançou em 2 metros durante esta última semana (fim de novembro e começo de dezembro). Ela fez um apelo dirigido à Prefeitura de Maceió para que o poder municipal aconselhe a população evitar circular ou não frequentar os bairros atingidos.

A situação piora a cada instante, porque foram registrados alguns abalos sísmicos de pequena magnitude. Não se trata de um terremoto convencional; são as movimentações naturais do solo que procuram se acomodar diante do estrago feito pela exploração sem critérios ou normas de segurança que levassem em consideração o entorno das minas.

Por sua vez, a empresa Braskem reconhece que um grande desabamento pode ocorrer; no entanto, ela levantou a hipótese de o teto da mina se acomodar, diminuindo o impacto da tragédia no chão das localidades prejudicadas.

A Braskem já pagou cerca de R$ 3,7 bilhões a título de indenização para as famílias e os comerciantes dos cinco bairros. Até o momento, o saldo de tudo isso é que todos os envolvidos nessa história nunca mais serão os mesmos como pessoas, como comunidade ou como deverão alterar de maneira violenta a rota de suas vidas inesperadamente e abruptamente.