Oficialmente, o dia 10 de abril de 1970 foi o término de uma das maiores bandas de Música que o planeta conheceu e curtiu muito. Paul McCartney anunciava sua intenção de não trabalhar mais com seus parceiros musicais, os Beatles, e ingressava na carreira solo.

Mesmo com a dissolução concretizada um mês antes, nesta semana relembrou-se a última obra lançada pelos quatro cabeludos de Liverpool. No dia 8 de maio de 1970, chegava às lojas o décimo terceiro e derradeiro trabalho denominado “Let It Be”.

Apesar de ter sido gravado antes de “Abbey Road” – no período de janeiro de 1969 – “Let It Be” não conseguiu disfarçar os crescentes desentendimentos e a pré-formalização do fim da banda.

Era uma questão de tempo para o chamado “cada um para seu lado” aparecer definitivamente.

Contendo 12 faixas originais, o disco chegou às suas “bodas de ouro” em 2020, fazendo parte de um projeto que incluiria um show final logo após as gravações e a exibição de um documentário no Cinema que mostraria o processo de composição do quarteto.

Início da ruptura

A ideia de fazer um filme num tom mais sério e próximo do cotidiano de estúdio veio de Paul no fim de 1968, depois de finalizadas as gravações do “Álbum Branco”, cujas sessões foram tensas.

Uma das intenções baseava-se na volta aos primórdios musicais dos Beatles e na retomada do contato com o público, já que o último show aconteceu em agosto de 1966, nos Estados Unidos.

Outro propósito era o de cicatrizar as feridas deixadas em 68 e colá-las, melhorando o ambiente e a relação dos integrantes.

Esse projeto foi batizado inicialmente de “Get Back”: as primeiras reuniões entre a equipe cinematográfica e os “Fab Four” ocorreram num estúdio de qualidade duvidosa em relação à acústica.

Somado a isso, as tensões entre os componentes da banda só aumentavam, a ponto de George Harrison se ausentar por alguns dias dos ensaios e das composições.

A volta dele só foi possível quando do atendimento de duas exigências: o cancelamento do show final que, na concepção do cineasta do documentário, Michael Lindsay-Hogg, seria registrado num anfiteatro romano na Tunísia e a conclusão do disco nos estúdios da Apple. George se queixou do comportamento controlador de Paul.

Pedras no telhado

Considera-se o famoso show apresentado no telhado da sede da Apple, em Londres, como o olho do furacão em meio às discussões e discordâncias sobre o que seria feito do novo material.

Entre elas, pode-se listar a rejeição posterior de duas edições diferentes efetuadas pelo produtor Glyn Johns. Outro ponto de divisão entre os membros da banda está na aparição de outro produtor, Phil Spector, com a aprovação da maioria dos Beatles. Seu trabalho deixou Paul McCartney muito irritado, a ponto de odiar o resultado final trazido por Spector.

Mesmo com a descrição de um cenário sinistro e nervoso naquele início de 1969, houve quem pusesse “panos quentes” no ambiente. Convocado para tocar junto com os Beatles nas gravações, o tecladista Billy Preston funcionou como uma válvula de escape, o que gerou um intervalo de entendimento e boa relação entre os quatro rapazes de Liverpool.

Já era tarde

Depois de lançarem a faixa “Get Back” como ‘single’ em meados de 1969, os Beatles acharam melhor mudar o nome do projeto para “Let It Be”. Uma decisão mais adequada.

Em setembro do mesmo ano, John Lennon anuncia sua saída a Paul, George e Ringo. Isto só não se divulgou amplamente para não atrapalhar as vendagens do recém-lançado “Abbey Road” e outros projetos em curso.

Apesar das grandes objeções de Paul, o disco chegou na praça em 8 de maio. Cinco dias depois, o filme entrava em exibição nos cinemas.

Em 1971, o documentário ganhava o Oscar de melhor trilha sonora. Porém, nenhum deles compareceu à cerimônia de entrega, visto que todos tinham brigado entre si. Coube a Quincy Jones, diretor musical daquela noite, levar e carregar a estatueta em nome do grupo.

A crítica da época se dividiu quanto à aceitação de “Let It Be”: para uns era a marca de um “epitáfio barato, uma lápide de cartão”; para outros, continuava uma pulsação.

Hoje em dia, há mais complacência com o disco original, tendo sido incluído entre os 500 melhores álbuns selecionados pela revista “Rolling Stone”. A posição do referido ranking é a de número 86.

Bem mais tarde, no ano de 2003, Paul McCartney protagoniza a releitura ao lançar “Let It Be... Naked”, numa versão mais enxuta. Dizem que a satisfação foi geral nos outros integrantes e significou o fim da angústia de Paul, o qual nunca aceitou o lançamento de 1970 como autêntico e digno.

Se compararmos com a geologia, “Let It Be” personificou a agitação das placas tectônicas durante um ano conturbado e encerrando, de uma vez por todas, a trajetória dos Beatles enquanto juntos.