O trabalho a distância, popularmente conhecido como home office, ainda era uma cultura pouco difundida no Brasil em 2020. Contudo, a pandemia provocada pelo novo coronavírus forçou muitas empresas do país a adotarem esta modalidade de trabalho quase que do dia para a noite. Apesar dessa necessidade de rápida adaptação, o mercado, sobretudo o da comunicação, mostra que estava preparado para trabalhar remotamente.

"A cultura do trabalho a distância veio para ficar", ressalta o presidente-executivo da Abracom (Associação Brasileira das Agências de Comunicação), Carlos Henrique Carvalho, em entrevista à BlastingTalks.

Carlos, porém, enfatiza que não acredita em operações 100% home office quando o mundo voltar à sua normalidade, entretanto reforça as benesses do trabalho a distância. "[Traz] benefícios à qualidade de vida dos profissionais e economia de recursos com locação de escritórios, que tendem a ser mais enxutos", destaca.

Confira a entrevista na íntegra.

Blasting News: Em âmbito geral, como você definiria o posicionamento adotado pela Abracom em meio à pandemia do coronavírus?

Carlos Henrique Carvalho: Agimos rapidamente, orientando os associados já nos primeiros dias em que ficou clara a disseminação do vírus no país. Já na primeira semana de medidas restritivas, nossos associados já estavam migrando para o home office, atingindo 97% de profissionais trabalhando remotamente no quarto dia do isolamento social em São Paulo, por exemplo.

Além disso, reforçamos nossos convênios com consultorias jurídicas e de finanças, organizando papers semanais como esclarecimentos sobre medidas do governo para proteção dos empregos e flexibilização de algumas regras trabalhistas e com dicas financeiras para atravessar a crise.

Observou-se que muitos serviços se mostram eficientes em home office, tanto como na presença física da pessoa em escritório.

Pensando nisso, você acredita que o impacto pós-pandemia mudará a atuação de trabalhadores em algumas áreas, especialmente no setor da comunicação?

Nosso setor mostrou rapidamente que tinha estrutura e possibilidade de trabalhar remotamente. As agências relatam que os serviços prestados não tiveram qualquer prejuízo ou diminuição de volume.

Os prazos estão sendo cumpridos e as agências têm se mostrado parceiras estratégicas de seus clientes para manter as organizações em contato permanente com seus públicos. Entendo que na área de comunicação o home office passará a ser mais adotado a partir da crise. Muitas de nossas associadas já tinham parte da equipe em trabalho remoto e, agora, percebem que poderão ampliar essa prática, com segurança jurídica, tecnologias amigáveis e integradoras das equipes e eficiência e produtividade comprovadas. Não acredito em operações 100% home office quando voltarmos à normalidade, mas a cultura do trabalho a distância veio para ficar, trazendo como benefícios a qualidade de vida dos profissionais e economia de recursos com locação de escritórios, que tendem a ser mais enxutos.

Atualmente o recurso das lives tem sido muito utilizado para difundir informação, propaganda e estreitar comunicação. De que forma você enxerga, num futuro pós-crise da covid-19, o recurso das lives como fonte de informação? Vão reforçar ou desaparecer?

As lives atuais estão no nível da improvisação que a pandemia provocou. Todo mundo se recolheu em casa sem ter tempo de planejar essas ações. Por um lado, temos algumas transmissões sofríveis do ponto de vista técnico, por outro, a possibilidade completa de usar recursos tecnológicos mais “leves” e diretos para ações de comunicação. Imagino que em alguns meses teremos altas produções simulando o estilo live, porque é a moda do momento. A live não será dominante, mas se apresenta, desde já, como um recurso a mais para comunicação das marcas com seus públicos estratégicos.

Com a extensão do cenário propagado pela crise da covid-19, como se imagina os próximos meses para o trabalho de agências de comunicação e a atuação do setor?

De um lado, há muito trabalho em clientes que estão atuando fortemente no ambiente de crise. Segmentos econômicos que tiveram aumento de demandas, como a área de saúde, ou que precisaram se reorganizar e manter seus públicos fiéis, como na área de serviços por delivery. Nessas áreas, as agências encontram muito trabalho e novos desafios. Mas existem segmentos completamente paralisados ou que estão apenas em manutenção enquanto a crise durar. E aí temos um quadro de renegociações de contratos ou suspensão de pagamentos. Nenhum setor da economia escapará sem algum sofrimento e a comunicação também enfrentará dificuldades para fechar o ano.

Certamente, vamos ter uma queda do faturamento geral do nosso mercado. Esperamos que os danos sejam os menores possíveis.

Um mercado que já vinha crescendo anteriormente era o do marketing digital. A presença online, com e-commerce, divulgação via redes sociais e afins, tem sido a alternativa mais viável em meio ao isolamento social vivido no Brasil. O marketing digital será consolidado definitivamente como mais presente do que o marketing convencional?

Não podemos falar muito por esse mercado, representado por outras associações, embora nossos associados tenham alguma atuação nesse campo. Puxando a sardinha para nossa brasa, posso afirmar que essa crise vai reforçar outra tendência forte da comunicação na era digital, que é a necessidade de relacionamentos estratégicos das marcas com seus públicos.

E de relacionamento as agências Abracom entendem, porque o dia a dia de nosso mercado consiste em produzir conteúdos, manter canais de comunicação dos clientes, gerenciar crises, levar aos consumidores informações qualificadas sobre os produtos e serviços de clientes e manter interação e diálogo entre as pessoas e as marcas.

No seu texto dirigido ao Portal Imprensa, escreves uma frase bastante interessante: "É preciso continuar a nadar, buscando, talvez, novos modos de se movimentar." Do ponto de vista pessoal, com a experiência já acumulada na área da comunicação, quais as alternativas imagináveis para o meio da comunicação durante e após a pandemia?

As mídias tradicionais e digitais ganharam muita audiência com a crise.

E devem aproveitar esse momento de conexão para valorizar o jornalismo profissional junto à sociedade, mostrando que são o melhor antídoto contra a praga das fake news. Para os mercados empresariais, como o nosso, é o momento de mostrar aos clientes que comunicação não é um meio apenas dentro da atividade econômica.

Por fim, resumindo, qual deve ser o papel da comunicação em meio à crise? Como ela pode ser usada para, digamos, driblar o momento conturbado vivido pelas empresas?

Comunicação é essência para qualquer empresa, não importa o tamanho e o segmento econômico em que atuam. Essência, porque sem que a marca, os produtos, os serviços, além das propostas de valor das organizações sejam divulgados, sem conexão das pessoas com as empresas as vendas não se efetuam.

Ninguém pode sumir nesse ambiente fluido e perigoso para as empresas. É investindo em comunicação, mantendo os canais abertos, mostrando que a organização está preocupada e atenta aos movimentos da crise, implementando ações verdadeiras de solidariedade que as empresas se manterão vivas e sairão dessa crise prontas para a retomada.