Uma crise global afetou a sociedade, os governos e os empresários do mundo todo. Trabalhadores de todas as classes viam, com o agravar da pandemia, o dinheiro encurtar e as dificuldades aumentarem. O setor de logística é um dos pilares da economia no Brasil, sendo essencial para o transporte de carga de norte a sul e de leste a oeste do país. Mesmo num setor tão necessário e movimentado, a crise pesou igualmente.
"O que aconteceu foi logo uma comoção em abril/maio, quando os governos decidiram começar a fechar tudo e também evitar aglomeração de pessoas", destaca Federico Vega, CEO da Cargo X, empresa responsável por conectar digitalmente transportadoras, embarcadoras e autônomos, em entrevista exclusiva à BlastingTalks.
Destacando como um período de muita preocupação, Vega, em abril, logo no começo da pandemia do novo coronavírus, já havia adiantado o risco de muitas transportadoras quebrarem por conta da crise. A previsão, ao que tudo indica, foi confirmada com o passar dos meses. "Vou falar a percepção, pois ainda não conseguimos aferir os números, mas a percepção é que muitas transportadoras quebraram mesmo", diz.
"Porque o que aconteceu foi que, por dois meses de mercado, a quantidade de cargas caiu abruptamente, por isso muitas deixaram de transportar", completa o CEO.
Com uma rodada de investimentos aberta no início da pandemia, o foco da Cargo X, então, foi auxiliar essas empresas. "A principal ajuda foi financiar capital de giro para as transportadoras e resgatar esses clientes a um preço muito mais atrativo do que os bancos e começamos a lançar linhas de crédito para essas transportadoras não quebrarem", salienta Vega.
Confira a entrevista na íntegra.
Blasting News: Como funciona o trabalho da Cargo X? Poderia falar um pouco sobre como foi a trajetória da empresa?
Federico Vega: Basicamente, há alguns anos, eu, enquanto viajava de bicicleta, e ficando muito tempo nas paradas de caminhoneiros, percebi que esses locais eram um verdadeiro market place, como um Mercado Livre para caminhões.
Você tinha desde os embarcadores, as lojinhas nas paradas e outros tipos de comércio. Lá você tem quem procura transportar a carga e do outro lado quem solicita o transporte desta carga. Isso é muito ineficiente, porque você tem primeiro as empresas de transporte buscando soluções constantes, uma vez que nem sempre as cargas dão match com a capacidade de carga de um determinado caminhão em tempo real no Brasil. Então, uma transportadora pode estar na parada de caminhoneiro e a carga em um outro lugar. Além disso, você não fica sabendo, nesse modelo informal, quem é o embarcador bom e o embarcador ruim.
Então, nessas viagens de bicicleta, eu conversava com caminhoneiros e embarcadores que falavam dessas dificuldades.
Principalmente das dificuldades de fazer dinheiro no Brasil. Pensando nisso, o que a gente [Cargo X] fez? Oferecer um mercado livre para o transporte, que principalmente conecta as cargas do mercado com as empresas de transporte, fazendo com que a transportadora, por exemplo, possa ter acesso em tempo real de sua mercadoria.
Quais foram os impactos da pandemia no setor de logística? Quando foi percebido que viria este impacto e quais as primeiras medidas tomadas? E de que forma você acredita que a Cargo X possa ter amenizado os impactos da pandemia para os caminhoneiros e pequenas empresas?
O que aconteceu foi logo uma comoção em abril/maio, quando os governos decidiram começar a fechar tudo e também evitar aglomeração de pessoas, o que afetou, por exemplo, postos de gasolina em paradas de caminhoneiro, lanchonetes nas estradas e afins.
Isso foi o primeiro impacto. Foi quando caminhoneiros começaram a nos contatar, explicando que não havia local para comer, pois tudo estava fechado e, sem lanchonete, o trabalhador não pode comer. Então fizemos três coisas para suprir isso: 1) Rastreamento para saber como estava cada estado para saber se o caminhoneiro poderia transitar e voltar para casa; 2) Inserimos na plataforma um rastreio para lanchonetes e paradas para caminhoneiros que estivessem em funcionamento; 3) Produção de marmitas destinadas aos caminhoneiros que não tivessem acesso às lanchonetes.
Em entrevista ao InfoMoney no último mês de abril, você disse uma frase bastante impactante: "muitas transportadoras vão quebrar". Passados seis meses daquela entrevista, e cerca de sete meses da pandemia no Brasil, como você vê o setor atualmente e quais as perspectivas futuras num cenário pós-pandemia?
Vou falar a percepção, pois ainda não conseguimos aferir os números, mas a percepção é que muitas transportadoras quebraram mesmo.
Porque o que aconteceu foi que por dois meses de mercado, a quantidade de cargas caiu abruptamente, por isso muitas deixaram de transportar. O agronegócio, por exemplo, teve uma parada muito significativa. Nesses dois, três meses houve esse estresse muito grande, por causa dos portos sob análises constantes do Ministério da Saúde, bem como o problema das estradas fechadas. Isso fez com que muitas empresas de transportes começassem a quebrar e agora que o volume de cargas voltou –e voltou muito forte–, como foi o caso do agronegócio, por exemplo, a gente vê essa falta de força em muitas transportadoras conseguirem voltar por vários motivos, como uma aposentadoria do caminhão/motorista nesse meio tempo e, para voltar, fica um pouco mais difícil, pois não tem tanto crédito no mercado atual.
Em abril, a Cargo X anunciou sua quinta rodada de investimentos, no valor de US$ 80 milhões. De que maneira esse investimento impactou nas ações em meio à pandemia do coronavírus?
O que a gente fez quando se aproximou a pandemia, na realidade, foi, a partir de um aviso dos investidores, que destacaram que a pandemia era coisa séria, e basicamente eles já diziam o que está acontecendo agora, agilizamos uma reunião de emergência, em fevereiro, quando pediram para que nos preparássemos para o que ia acontecer e colocaram como um caso de extrema dificuldade na economia global, em que as economias poderiam fazer um crash e nós precisaríamos capitalizar muito forte para sobreviver a todo esse tempo.
Então a gente abriu uma rodada de investimentos rápida, quando houve o investimento de US$ 80 milhões na empresa e esse dinheiro foi utilizado, a princípio, para ajudar, com mais foco, as empresas de transporte. Focamos em ajudar os caminhoneiros, claro, com as iniciativas. Mas a principal ajuda foi financiar capital de giro para as transportadoras e resgatar esses clientes a um preço muito mais atrativo do que os bancos e começamos a lançar linhas de crédito para essas transportadoras não quebrarem.
No mercado de transportadoras, houve algum tipo de resistência à tecnologia e às novidades implementadas pela Cargo X? Como isso foi contornado internamente?
Quando eu comecei a trabalhar na Cargo X, visitando as paradas de caminhão, em 2013, eu lembro que o caminhoneiro não tinha e-mail e nem nada relacionado à tecnologia naquele momento.
O que fizemos foi abrir um site, apenas, para que o trabalhador pudesse buscar as cargas via internet, através deste portal. Com o passar do tempo, em meados de 2014, quando o WhatsApp permitiu a ligação telefônica gratuita, tudo mudou. Foi quando os caminhoneiros jogaram seus celulares convencionais fora e adotaram smartphones para usar as ligações do WhatsApp gratuitamente, até o ponto que, atualmente, o caminhoneiro utilizar o WhatsApp como se fosse um rádio. Quando vimos esse efeito de compra de smartphones, decidimos investir no aplicativo da Cargo X. Nesse momento, percebemos que a porcentagem de caminhoneiros utilizando o aplicativo era maior do que os que utilizavam o site na web. Aqui [no Brasil] o caminhoneiro não estava acostumado com tecnologia, e quando colocamos o aplicativo, o caminhoneiro entendeu muito rápido.
Os desafios de gestão em meio a uma crise sanitária são uma novidade no mercado brasileiro. Como uma startup consolidada, quais as principais dicas que você daria às micro e pequenas empresas que estão atualmente nessa luta diária para voltar a faturar?
Eu acho que a empresa pequena, no mercado que vivemos hoje, minha principal dica é: não tentar fazer tudo sozinho. Isso porque vivemos em um mercado que mais e mais precisa colaborar com outras empresas em parceria. Então procurar parcerias estratégicas é a principal conselho que eu dou, mas, pontuando, três coisas são necessários, que seriam: 1) não tente fazer tudo sozinho; 2) oferecer um bom serviço ao cliente sempre e ser ético; 3) por fim, o último seria pensar com a mente mais aberta e ter a consciência de que, o que funcionava há cinco anos, por exemplo, talvez não funcione mais. É preciso começar a se reinventar.