Em agosto de 2020 a Rússia surpreendeu o Mundo ao anunciar que havia desenvolvido e aprovado uma vacina eficaz contra a Covid-19. Batizada de Sputnik V, uma alusão ao satélite soviético lançado em 1957, a divulgação do imunizante atendeu aos apelos de quase toda a população mundial, antecipando aquilo que muitos imaginavam que só ocorreria alguns meses depois.

Contudo, superada a euforia inicial, a rapidez das autoridades russas no desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 destoa completamente da lentidão com a qual tem sido conduzida a campanha de vacinação no país.

Mesmo que tenha sido um dos primeiros países a iniciar o processo de imunização, dados disponíveis apontam que menos de 4% da população do país já recebeu as duas doses do imunizante até o presente momento.

Polêmicas envolvendo a Sputnik V

O pioneirismo russo na campanha de imunização provocou um verdadeiro alarde no mundo. De um lado, a população média, entusiasmada ao tomar conhecimento da existência daquilo que poderia representar o começo do fim da pandemia. Do outro, autoridades internacionais céticas em relação à rapidez com a qual o medicamento havia sido produzido. Um dos pontos mais questionados, inclusive pela OMS (Organização Mundial da Saúde), era justamente a falta de transparência no fornecimento de informações relacionadas ao imunizante, que já estava sendo anunciada pelo governo russo antes mesmo da conclusão de todas as etapas de testes clínicos.

No entanto, as críticas não retardaram o início da vacinação dentro do país, cujas primeiras doses começaram a ser aplicadas ainda em dezembro de 2020, antes que fosse concluída a última etapa necessária para avaliar conclusivamente a sua eficácia.

Hoje, porém, a realidade é outra. Em fevereiro deste ano o instituto russo Gamaleya, por meio da revista científica The Lancet, divulgou que a Sputnik V apresentou 91,6% de eficácia.

Apenas as vacinas produzidas pela Pfizer e pela Moderna superam em eficácia, com 95% e 94,1%, respectivamente. Além disso, atualmente a aplicabilidade da vacina russa conta com corroboração de diversas agências reguladoras, uma vez que já obteve a aprovação em mais de cinquenta países.

Queda na taxa de vacinação

As autoridades sanitárias do governo russo haviam estabelecido como meta a vacinação de 60% de toda a população adulta do país até julho desse ano.

Entretanto, caso continue seguindo o mesmo ritmo, estima-se que seria necessário mais um ano e meio para que esse objetivo fosse cumprido.

Problemas no processo de fabricação, como a escassez de equipamentos de biotecnologia e a falta de insumos, bem como no planejamento logístico, o qual envolve a distribuição da Sputnik V às 84 regiões do vasto território russo, constituem alguns dos principais desafios enfrentados pelas autoridades sanitárias ao longo da campanha de vacinação.

Outra grande questão que tem sido apontada como causa para o travamento da campanha de imunização no país é a desconfiança da população em relação à Sputnik V. Recentemente, estimou-se que cerca de 67% dos russos não estão dispostos a tomar a vacina, segundo pesquisa realizada pelo instituto Centro Llevada.

O fato de Vladimir Putin, presidente do país, alegar ter sido vacinado em março, em um procedimento realizado longe das câmeras e sem que fosse esclarecido qual das vacinas havia tomado (a Rússia detém o registro de outras duas vacinas além da Sputnik V) parecem ser razões que têm contribuído para essa descrença por parte dos russos.

Relaxamento das medidas restritivas

A política sanitária também é outro fator que deve ser considerado na análise do assunto. Já nos primeiros meses da pandemia Putin deixou claro que seguiria o exemplo de outras autoridades mundiais responsáveis por minimizarem os efeitos do Coronavírus, como o ex-presidente dos EUA Donald Trump e o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.

Apesar de já ter registrado mais de 100.000 mortes relacionadas à Covid-19 desde o início da pandemia, o governo russo insiste em abrir mão de medidas capazes de conter a disseminação do coronavírus. Em Moscou, bem como em diversas outras cidades do país, é totalmente possível sair para beber ou dançar em locais aglomerados, como bares e casas noturnas, enquanto os números de casos de infecção continuam aumentando dia após dia.

Assim, a Rússia apresenta um dos cenários mais curiosos de todo período vivido sob a pandemia de coronavírus. Sobretudo ao se considerar que, a despeito da precariedade envolvendo a campanha nacional de vacinação, o governo da Rússia segue intensificando seus esforços na promoção da Sputnik V no exterior.