O fôlego dos pulmões de muitos brasileiros sentiu um ar renovador na última quarta-feira (23). Em edição extraordinária do Diário Oficial da União, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, requereu sua exoneração do cargo. Ele alegou motivos familiares para deixar o cargo.
Como mandatário máximo da política e da condução ambiental do Brasil, Salles cai após duas investigações abertas contra ele, ligadas a suspeitas de tráfico ilegal de madeira e obstrução de Justiça em um caso de desmatamento.
Considerado peça-chave da solidificação do chamado grupo ideológico do Governo, Ricardo Salles permanecia à frente do ministério sob as bênçãos do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo de dois e meio de gestão, não foram poucas as pressões para sua saída, pedidas por ONGs e ativistas ambientais.
Até órgãos sob seu comando, leiam-se Ibama e ICMBio, exigiam o mesmo. Porém, Jair Bolsonaro resistia à ideia de retirá-lo do cargo.
Investigado
O advogado de formação viu sua fama ruir por causa da autorização confirmada pelo Supremo Tribunal Federal para abrir dois processos contra ele. A Polícia Federal deflagrou duas operações acerca de exploração ilegal de madeira e posterior tráfico de toras ao exterior. No entanto, o maior prejudicado é a Amazônia, visto que o crime ambiental fora cometido em plena selva.
No caso de carregamento suspeito de madeira, Salles se viu imprensado entre as paredes, pois quando o governo ensaiava uma aproximação política com os Estados Unidos, as autoridades americanas agiam por outra via e colaboravam com as suspeições da Polícia Federal.
Daí para o surgimento oficial da investigação, foi um passo.
A Polícia Federal considera movimentações atípicas no escritório de advocacia do qual Ricardo Salles é um dos sócios. O montante apurado gira em torno de R$ 14 milhões.
Sinal vermelho
Em sua gestão, Ricardo Salles é acusado de ter colaborado para a perda de 11.088 quilômetros quadrados de florestas e áreas verdes da Amazônia em 2020.
É o pior resultado em doze anos. E de acordo com o monitoramento realizado por satélites, 2021 pode quebrar o recorde do ano passado.
Sua demora e certa negligência em sufocar as queimadas ocorridas no Pantanal foram destaque no mundo todo. O bioma dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul foi devastado em 26% da área total pelo fogo.
Boiada
Talvez o despertar de sua antipatia proveio da reunião do Conselho Ministerial em abril de 2020, cujo vídeo vazou para a opinião pública. Nele, Salles declara que “estamos em um momento muito tranquilo porque a mídia está focada na covid-19, temos que aproveitar para aprovar a boiada e simplificar as regras”. Sua frase tinha alvo certo: flexibilizar no que puder a legislação do meio ambiente nacional.
Uma dessas “boiadas” caminha com relativa rapidez na Câmara dos Deputados, pois foi nela que houve a aprovação do relaxamento da demarcação das terras indígenas.
Naturalmente, as organizações não governamentais e ativistas celebraram –com certa prudência– a exoneração de Ricardo Salles. É bem provável que a causa seja o novo escolhido para dirigir a pasta: Joaquim Pereira Leite.
O novo ministro é conhecido por criticar as regulações ambientais e já produziu trabalhos relacionados com entidades do agronegócio.
Festa maior se percebeu na ala militar do governo brasileiro. Segundo eles, Ricardo Salles, mesmo fazendo parte da corrente ideológica, era um “incompetente” e “enrolado com a Justiça”. Eles não se entendiam muito bem, porque em mais de uma ocasião, evidenciavam-se atritos. Certa vez, Salles acusou o grupo dos militares de estar sendo “fritado” e travou uma briga de retórica com o atual chefe da Casa Civil, Luís Eduardo Ramos.
O saldo final é que Salles ficou preso no meio da correnteza do rio, tentando passar a boiada, em meio a uma vegetação judiada por queimadas e assistida conscientemente.
Parafraseando o dito popular de “como era verde o meu vale”, a Natureza segue para fazer jus à sua recuperação gradual. Não importa se ficou fritada, pois seu ciclo adquire uma rota para cima. Já para Ricardo Salles, talvez sobre o óleo vegetal.