O novo filme de David Fincher estreou na Netflix na última sexta-feira (4). A produção "Mank" é talvez a principal aposta do serviço de streaming para levar algumas estatuetas no Oscar de 2021, principalmente na tão desejada categoria "Melhor Filme".
A escolha da Netflix por este projeto parecer ter sido calculada milimetricamente, mas se por um lado o longa-metragem tem realmente potencial para fazer bonito no Oscar, dificilmente ele marcará presença no "Top 10" da plataforma de streaming.
Um pouco de história
Mesmo quem nunca chegou a assistir "Cidadão Kane" (1941), muito provavelmente já ouviu falar deste que é considerado um dos maiores filmes de todos os tempos.
O senso comum é achar que Orson Welles além de protagonizar o longa, também foi o diretor e escreveu o roteiro com a ajuda de Herman Mankiewicz, o "Mank" do título.
O problema está em saber quem realmente foi o autor do roteiro, enquanto Mank alegava que havia escrito o escrito sozinho, Welles garantia que fora ele o autor do roteiro com co-autoria de Mank. Ele até mesmo chegou a afirmar que é o único autor do texto quando dividiu o Oscar de melhor roteiro com Welles.
Em 1971, Pauline Kael publicou na revista New Yorker um artigo intitulado Raising Kane. O texto de Kael corrobora a versão de Mankiewicz, de que ele fora o único autor do roteiro. O artigo afirma ainda que o nome do roteirista foi apagado da história pelos fãs de Orson Welles.
Por outro lado, Richard Jewell, um historiador de Cinema, afirma que suas pesquisas comprovam que Welles tem sim contribuição no roteiro. A verdade sobre a autoria do roteiro provavelmente permanecerá para sempre um mistério.
Ainda que o novo filme do diretor de "Clube da Luta" (1999) seja baseado em eventos reais, Fincher não se preocupou em ser fiel à realidade, até mesmo porque como foi dito anteriormente, a verdade neste caso é desconhecida.
O cineasta realizou o filme tendo como ponto de partida a versão de que Mankiewicz é o único autor do roteiro.
Talvez a escolha do cineasta por seguir este caminho tenha sido uma homenagem ao seu pai, já que o roteiro de "Mank" foi escrito por Jack Fincher, falecido em 2003. David Fincher então se concentrou menos em discutir quem é o autor do roteiro e se preocupou mais em investigar a personalidade do protagonista.
O Mank (Gary Oldman) que é visto no filme é um roteirista falastrão com um humor bem peculiar. Ao mesmo tempo em que se dedica às pessoas de quem gosta, ele não poupa críticas ácidas aos seus desafetos, o que acaba por fazer com que ele ganhe inimigos poderosos. O escritor ainda tem problemas com o abuso de álcool e é viciado em apostas.
Para completar o cenário de auto-sabotagem em que o roteirista se coloca, suas convicções políticas ainda o prejudicam mais ainda. Porém Mank não se vitimiza, ele tem plena consciência de que o caminho que está trilhando o levará a ruína.
O filme começa em 1940 quando o astro em ascensão Orson Welles (Tom Burke) contrata o brilhante porém decadente roteirista, e brinca com o fato de Mank ter apenas 43 anos e ser interpretado por Oldman, 62.
Orson Welles teve carta branca do estúdio para conduzir a produção de "Cidadão Kane" do jeito que quisesse. Mank havia acabado de sofrer um acidente de carro, então Welles providenciou para o roteirista um lugar afastado em que ele poderia se recuperar e ao mesmo tempo escrever o roteiro, Mank ganhou o prazo de 60 dias para completar a tarefa.
Fincher então alterna entre o momento atual em que o escritor está trabalhando roteiro e volta ao início da década de 1930 em que são mostradas todas as relações de amizade e confusões que o protagonista se envolveu.
Um de seus desafetos é o magnata das comunicações William Randolph Hearts, vivido pelo ator Charles Dance, que deu vida ao Lorde Tywin Lannister da série da HBO "Game of Thrones" (2011-2019).
Ironicamente, a esposa de Hearts era uma grande amiga de Mank, a atriz Marion Davis (Amanda Seyfried).
O roteiro de cidadão Kane criou personagens que foram baseados no casal e a forma como foram retratados não foi exatamente elogiosa.
David Fincher fez o seu filme com a ausência de cores, uma forma de homenagear o clássico "Cidadão Kane", o diretor também recria planos que foram vistos no filme de Orson Welles.
Fincher também usou transições de imagens típicas dos filmes da época, belo trabalho do diretor de fotografia Erik Messerschmdit, colaborador de Fincher na série da Netflix "Mindhunter".
Trilha sonora
Os músicos Trent Reznor e Atticus Ross também são velhos parceiros de Fincher, a dupla criou uma trilha sonora que remete aos filmes da época de ouro do cinema.
Para ilustrar o início de várias passagens de tempo e também ambientações, David Fincher usa legendas com a formatação que é usada em roteiros de cinema.
O resultado obtido por David Fincher foi um filme esteticamente belíssimo, em que o estilo do diretor é imediatamente reconhecido pelos amantes de cinema e de sua obra.
Este é o grande problema de "Mank", que está longe de ser um filme ruim, mas é quase proibitivo para quem não é um estudioso da sétima arte.
O novo filme está sendo vendido por muitos sites especializados como sendo um embate entre duas grandes figuras do cinema, Orson Welles e Herman Mankiewicz, mas na verdade o filme é mais sobre um homem que se enxerga como uma espécie de Dom Quixote que tenta se redimir dos erros cometidos.
A tão esperada disputa entre Welles e Mank ocorre no terceiro ato, este é talvez o momento mais empolgante do filme, capaz de agradar ao público que está menos interessado nos bastidores do cinema e sim em busca de uma história envolvente.