É como se fosse uma propaganda esportiva em que dois rivais, antes pautados pela compostura e preocupados em fazer bem o seu papel, voltassem à berlinda para participarem de uma luta de pugilismo.

A temperatura subiu em Brasília: os microfones testemunham discursos com elevação de tom, pouca fleuma, troca de farpas entre dois personagens célebres da vida política nacional.

Quase chegando a três meses de sua gestão, o presidente Lula deixou renascer sua pouca simpatia em relação à figura do ex-juiz Sergio Moro.

Castelo de cartas

O estopim inicial dessa luta de pugilismo começou na semana passada, quando Lula disse que acabaria com Moro.

Desejo que brotou e se desenvolveu no período da cadeia cumprida em Curitiba. Apesar de não ter sido utilizada a palavra “acabar”, Lula, assim que proferiu a frase, pediu para os participantes da entrevista que ela não fosse ao ar. Não foi o que aconteceu: foi só utilizar a edição do “piiiii!” para encobrir o palavrão.

No dia seguinte, a Polícia Federal executou uma série de operações, batizada como Operação Sequaz, visando à prisão de integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). De acordo com a PF, o objetivo era o sequestro ou a eliminação de autoridades e de Moro, hoje senador eleito pelo estado do Paraná.

Acreditando que isso seria plantado ou uma notícia falsa, Lula declarou que o plano sanguinário seria uma “armação do Moro”.

Nos bastidores, pessoas ligadas ao governo opinam que a fala de Lula ajudou a fortalecer o senador, inclusive o recolocando como a imagem de antagonista do Presidente.

Outros participantes apontam que as iniciativas da PF são prova cabal da independência dada pela atual gestão à instituição policial.

Enquanto isso, na cidade de Curitiba, a juíza Gabriela Hardt, substituta de Moro e atuante na 9ª Vara da Justiça Federal, levantou o sigilo processual.

Réplica e tréplica

O ex-juiz da Lava Jato não ficou quieto e respondeu às últimas declarações com relação à sua pessoa: "Eu fiquei chocado com a fala, um linguajar todo inapropriado para um presidente (...) Aparentemente ele aprendeu apenas o linguajar de cadeia".

Flávio Dino, ministro da Justiça, confirmou que Moro era um dos alvos dos atentados planejados pelo PCC.

Acrescentou que policiais estariam na mira das armas dos criminosos e finalizou que o “trabalho sério da PF salvou a vida, graças a Deus, de Sergio Moro”.

Apesar de ter grande repercussão, as investigações não pararam, mas a retórica está fervente. O ex-juiz afirmou que se algo acontecer a ele, a responsabilidade caberá a Lula.

Quietos até o presente episódio, parlamentares da oposição esfregam as mãos, visualizando uma oportunidade impossível de não ser aproveitada. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) pediu uma abertura para investigar Lula, alegando “eventual prática de incitação ao crime em desfavor” do senador eleito pelo Paraná.

No Senado, Rogério Marinho (PL-RN) enviou notícia-crime ao STF para que Lula seja incluído no inquérito das 'fake news'.

A base para isso está no descrédito do Presidente em relação à concretização do plano elaborado pelo PCC.

A construção do plano

De acordo com o apurado, há pelo menos seis meses a família de Moro era vigiada pelos bandidos do PCC. Sob a batuta de Janeferson Aparecido Mariano –conhecido como Nefo– os integrantes alugaram imóveis na região de Curitiba e acompanhavam a rotina da família como idas à escola, academia e compras.

A intenção era sequestrar Moro, sua esposa e dois filhos como barganha pela libertação do líder máximo da facção, Marcola. Estima-se que o Primeiro Comando da Capital tenha gasto R$ 5 milhões para pôr em prática o plano que, além de Moro, era matar outras autoridades.

Descobriu-se que carros blindados seriam usados na abordagem.

O promotor Lincoln Gakiya, jurado de morte pelo PCC há algum tempo, disse que o plano só não foi adiante porque Marcola não deu a ordem final.

Nefo foi preso na última quarta-feira, em Campinas (SP), e a sua prioridade era o resgate de Marcola da prisão. Para viabilizar isso, mercenários da Bolívia eram treinados e integrantes do Novo Cangaço eram recrutados.

A Operação Sequaz é uma operação conduzida pela Polícia Federal mirando os graves objetivos em torno de Moro. A ofensiva da PF ocorre 45 dias após o início das investigações.

Uma semana repleta

Em razão de uma pneumonia, Lula adiou sua visita à China que faria a partir desse fim de semana. As autoridades chinesas foram avisadas, mas há de se marcar nova data.

Na agenda, prevê-se a assinatura de acordos comerciais na área de tecnologia, inteligência artificial e energia solar. Também existirá espaço para a discussão de plano de paz para o conflito entre Rússia e Ucrânia.

Do ponto de vista prático, Lula possui uma série de compromissos internos que precisa olhar com atenção: o arcabouço fiscal, a falta de consenso entre os Presidentes da Câmara e do Senado, a previsão do regresso de Jair Bolsonaro ao Brasil e o balanço dos 100 dias de seu governo. Ademais, Lula não estará em Pequim para prestigiar a posse de Dilma Rousseff no banco dos Brics.

Por aconselhamento médico, deverá permanecer por aqui, mas cercado de muitos problemas, os quais poderiam ser melhor pensados numa viagem aérea de 30 horas. Ficará no Brasil, acompanhando a ultrapassagem do ponto de ebulição no cenário político.