Para os mais informados, nada mudou em relação à direção dos postos-chave do Congresso Nacional: Arthur Lira é presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco é presidente do Senado. Conforme a tradição, o Presidente do Poder Legislativo é exercido pelo líder do Senado, que é Rodrigo Pacheco.

Ainda neste ano precoce de 2023, Lula buscou ambos na intenção de estabelecer a harmonia e facilitar a aprovação de projetos de interesse do Governo.

Era uma lua de mel que se prolongaria até que um embate entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco veio para as câmeras e microfones. A vida política brasileira, muito marcada por desentendimentos, puxadas de tapete e falta de consenso, repete todas essas características.

Irônico é pensar que, justamente, o Congresso Nacional, o qual sempre primou pelo diálogo interno e concordância de opiniões, tenha dentro de si um foco de brigas por poder, espaço e manutenção da ordem pública.

Puxando o fio da meada

O estopim seria a perda de espaço que os deputados teriam em relação à composição das Comissões Mistas.

Passando uma lupa, é o seguinte: os projetos analisados por esse mecanismo das Comissões Mistas eram igualmente divididos entre senadores e deputados.

Integradas por 12 deputados e 12 senadores, as Comissões servem de base para discussão posterior em plenário. Em seguida, os projetos debatidos na Comissão vão para o plenário: primeiro a Câmara vota e, depois, o Senado faz a sua parte.

Devido à pandemia, isso foi mudado: as duas Casas Legislativas firmaram um ato conjunto, dispensando a formação das Comissões Mistas, visto que o momento era emergencial e existia a possibilidade de utilização de trabalho remoto.

Com a pior fase do coronavírus superada, Rodrigo Pacheco quer que a ordem dos procedimentos volte como prevê a Constituição.

Ou seja, a ativação das Comissões Mistas para as análises relativas às Medidas Provisórias.

Sendo assim, tanto a Câmara quanto o Senado indicariam as pessoas que comporiam as Comissões Mistas. Esse é o costume.

Arthur Lira propôs uma sessão conjunta para discussão da nova composição das Comissões Mistas a Rodrigo Pacheco. Bem que tentou, mas a resposta de Pacheco foi de que é preciso seguir a ordem prevista pela Constituição. Lira engoliu a seco.

Aqui tem mais gente

No entanto, o Presidente da Câmara não quer isso e se rebela, afirmando que a quantidade de deputados é bem maior do que a do Senado (são 513 deputados e 81 senadores). Em razão dessa balança pendendo favoravelmente ao seu lado, Lira defende que as Comissões Mistas possuam mais deputados que senadores.

Arthur Lira executa uma manobra esperta ao usar a pandemia como pretexto de dar mais força e poder aos deputados dentro do Congresso Nacional.

Embora Lira tenha o trunfo da quantidade, ele está em desvantagem, pois Pacheco é o Presidente do Congresso Nacional. Em tese, o Presidente da Câmara é subordinado.

Mas Arthur Lira não está disposto a ceder, já que mais um capítulo dessa briga se desenhou há poucos dias. Dessa vez, até as habitações dos parlamentares em Brasília entraram no jogo.

Estendendo mais a crise, parte da Mesa Diretora da Câmara enviou ofício ao Senado, informando a devolução de três apartamentos originalmente de propriedade do Senado. E mais adiante está pedindo a devolução de imóveis da Câmara habitados por senadores.

Uma espécie de ordem de despejo.

Oficialmente, a Mesa Diretora disse que esse troca-troca é motivado pelo “déficit de imóveis para atender à crescente demanda dos deputados por unidades residenciais”. O Senado confirma o recebimento do ofício e repassou a informação para os senadores atingidos.

Perda total sem seguro

Mesmo que haja a coincidência sobre a decisão dos apartamentos funcionais, fica evidente que a briga em relação às Comissões Mistas gerou essa primeira consequência. Entre os atingidos e que deverão se mudar para outro lugar, existem pessoas que já foram ou ainda são figuras proeminentes no governo: são os casos da ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o ex-presidente do Senado, David Alcolumbre, o senador Romário, e os deputados Aécio Neves e Gleisi Hoffmann, atual presidente do Partido dos Trabalhadores.

Esse combate interno no Legislativo certamente vai prejudicar os planos de Lula. O Brasil, há muito tempo é governado por Medidas Provisórias. O Presidente da República terá que encarar a diminuição na criação das Medidas Provisórias; pelo menos, por enquanto.

A não ser que Lula o faça por questão de urgência, atropelando, mais uma vez, os ritos normais e a tramitação do Congresso. Do ponto de vista de procedimento interno, o Congresso seria obrigado a substituir a calmaria do mar por ondas turbulentas. Ou igual ao popular “apagar incêndio”.

Um pouco antes, Lula acordou com o Congresso a apreciação e a votação de quatro matérias importantes: o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, a reestruturação do governo e as mudanças no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

O ponto é que todos esses temas estão na dependência da formação das Comissões Mistas. Um círculo que se fecha, mas é viciado, pois é ponto nevrálgico da briga interna no Legislativo.

Se Lula requerer urgência na apreciação dos projetos, tanto a Câmara como o Senado são obrigados a deliberar sobre as matérias no prazo de 45 dias. Caso o prazo não se cumpra, a pauta ou o rito para se discutir projetos menos urgentes são trancados, o que se transforma num problema de proporções colossais para uma sociedade ansiosa por melhoria de vida e botar o Brasil no eixo.